quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O Claustro Enquanto Lugar. A reabilitação com o motor da vivência. Ana R Amaral. «O primeiro elemento definidor destes espaços femininos é a presença de grades e muros, elementos arquitectónicos que asseguravam a vivência da clausura. A separação entre o mundo exterior e interior, gerando vários dispositivos de mediação entre os dois mundos»

Cortesia de wikipedia

O sistema que constituía o mosteiro era uma estrutura de espaço com funcionalidades carregadas de referências sociais e simbólicas, cuja arquitectura a todas as suas escalas produzia significados através das suas referências e procedimentos, nos quais estavam sempre implicados relações sociais de poder. In Lígia Silva, A arquitectura dos conventos de clausura das clarissas em Portugal.

Arquitectura monástica. A vida conventual
«Para o posterior entendimento da realidade do Mosteiro de Santa Marta pensa-se ser pertinente começar por especificar as características da vida contemplativa, assim como as características do programa religioso, pois foi este o elemento gerador responsável pela criação destes lugares singulares que encerram poesia e simbolismo. Cada ordem possuía diferentes concepções da vida sagrada, que eram espelhadas no seu edificado, através da sua dimensão, orientação, organização funcional, método construtivo e linguagem formal associada ainda à linguagem arquitectónica do tempo. Os conventos são assim uma tipologia essencial para se entender a sociedade portuguesa desde a formação da nacionalidade, espelhando a sua relação com a religião, a comunidade e o papel da mulher. A arquitectura desde sempre acompanhou as necessidades da sociedade respondendo na matéria aos problemas levantados pelo homem. Os edifícios que foram construídos para albergar os diversos tipos de comunidades divergiram na sua forma de acordo com os fins determinados pelo tipo de vida ditado pelas diferentes regras, sendo o seu programa arquitectónico a resposta às funções que desempenhavam. Pretendia-se que a espiritualidade das casas femininas estivesse acima das casas masculinas. Não se considerava adequado para uma mulher dedicar-se à vida eremita e mendicante. A maioria das ordens criou o seu ramo feminino, dedicado à contemplação e oração, tendendo gradualmente para a clausura. As casas religiosas foram centros geradores de vida, não só religiosa como civil e artística. Responsáveis pela fixação de populações e crescimento das cidades, enriqueceram também a vida pública, o conhecimento e a cultura. Os seus cantos transmitem-nos, ainda hoje, como que tendo ficado para sempre indelevelmente gravados nas suas pedras e no eco das abóbadas, a força das ideias religiosas e políticas, o poderio económico e o mistério, que contribuíram para fundação e vivência das suas comunidades.

Mosteiros Femininos
Os mosteiros sempre foram elementos geradores e servidores das cidades. As ordens religiosas auxiliavam a vida da cidade, a nível não só espiritual como educacional, medicinal ou de apoio aos órfãos. A sua localização era sinónimo de poder, de demonstração e afirmação do poder régio e alvo de disputa por parte da nobreza e do povo. Os mosteiros são sistemas que se estruturam através de espaços carregados de referências sociais e simbólicas, em que a arquitectura produz no seu desenho significados, a diferentes escalas, descrevendo sempre relações de poder. No caso dos mosteiros femininos o mundo interior do mosteiro constituía a esfera privada, doméstica e feminina, enquanto o mundo exterior representava a esfera pública, masculina, que se impunha constantemente. Por outro lado, o carácter de clausura e sobriedade, de contido em si e nas suas fachadas, aumentava a curiosidade do mundo de fora em relação a estes sistemas, que sempre se revelaram permeáveis. El género feminino, considerado más vulnerable, hizo de los monasterios verdadeiras casas fuertes, edifícios encerrados sobre si, de espaldas para el mundo, en los cuales su arquitectura acaba por ser una metáfora al enclaustramiento, estableciendo un dialogo entre los cuerpos encerrados dentro de muros y la piedra que los construía, respondendo de esa forma a los problemas derivados de las clausuras. Los edifícios reproducían espacial y materialmente, un universo de tensiones, repleto de contradiciones, sucessivamente captadas através de las aluciones encontradas para gestionarlas y materializarlas. Independentemente da ordem ou estilo arquitectónico a que pertenciam, os mosteiros tinham traçados e organizações internas similares, devido à uniformidade existente nas exigências do seu programa comum: a vida religiosa em comunidade fechada, originando assim uma tipologia comum, constituída pela Igreja conventual e respectivo coro. Existia sempre a sala do capítulo, a biblioteca, o refeitório, e o claustro, no piso térreo, enquanto elemento agregador de todos os espaços comunitários; no piso superior a presença constante de dormitórios a toda a volta do claustro, constituídos por celas individuais. A presença de terrenos agrícolas para recreio e produção, agregado ao edifício, a cerca, era também regra. O primeiro elemento definidor destes espaços femininos é a presença de grades e muros, elementos arquitectónicos que asseguravam a vivência da clausura.  A regra base de criação destes espaços era a separação entre o mundo exterior e interior, gerando vários dispositivos de mediação entre os dois mundos, reflectindo-se na duplicação de espaços nas fronteiras. Estruturas comunicáveis, separadas por dispositivos físicos de mediação entre o espaço público e o fechado. Os conventos viviam na dependência dos alimentos que produziam nos seus hortos, cultivando também flores para a ornamentação dos altares e plantas medicinais e aromáticas que providenciavam os símplices para a botica do convento». In Ana Rosa Amaral, O Claustro Enquanto Lugar, A Reabilitação como Motor da Vivência, Tese de Mestrado, Universidade de Lisboa, Faculdade de Arquitectura, FAUL, Lisboa, 2014.

Cortesia de FAUL/JDACT