sábado, 22 de novembro de 2014

Uma Defesa da Esperança Política. O Futuro e os seus Inimigos. Daniel Innerarity. «O ministro que hoje se serve de um relatório científico não só tem ao seu dispor uma coisa de que anteriormente qualquer administração carecia como recebe também uma coisa de que anteriormente nenhuma administração precisava»

jdact e cortesia de wikipedia

Como se conhece o futuro? Uma teoria da prospectiva. Necessidade e limites da prospectiva
«(…) Toda e qualquer reflexão sobre a necessidade e a possibilidade da prospectiva deve partir deste facto: vivemos nume época de crescente complexidade em resultado das aceleradas modificações nos âmbitos sociais, económicos, políticos e culturais. Esta circunstância tem uma consequência directa no conhecimento do futuro. As estáveis estruturas sociais das sociedades anteriores podiam antecipar o futuro sem receio de grandes equívocos considerando-o como continuação da tradição. Na sociedade contemporânea, porém, as experiências do passado servem cada vez menos quando precisamos de indicações para a acção futura. Se de alguma coisa podemos estar certos é de que as nossas expectativas vão ser confirmadas em muito menor medida (Nassehi, 1993). Uma sociedade da inovação é inevitavelmente uma sociedade da decepção, isto é, da previsão falhada, curta de vista acerca do seu próprio futuro. O futuro torna-se mais incerto do que nunca.
Quando as coisas mudam com grande rapidez, os dados do presente são menos relevantes para se tomar uma decisão; por isso se torna necessário um trabalho imaginativo para interpretar os sinais dos tempos. Estamos, por assim dizer, condenados a fazer o esforço de conhecer o futuro. Dadas a necessidade de antever o futuro e a dificuldade de o fazer observando simplesmente a realidade ou recorrendo ao mero senso comum, não há saída que não seja compensar essa dificuldade com um procedimento especial. Nisto reside a justificação da prospectiva, que não provém do saber mas de um desconhecimento estrutural do futuro, que nós tentamos compensar com os processos das ciências. A evolução da prospectiva a partir dos anos sessenta do século passado explica-se por essa necessidade de enfrentar cientificamente a perda de certeza social acerca do futuro. A abundante oferta de prognósticos que todos podem consultar e incluir nas suas planificações não significa que tenhamos por fim ao nosso dispor um futuro que estava escondido de outras civilizações. Acontece até o contrário: a crescente insegurança acerca do mundo em que viveremos dentro de dez ou cinquenta anos torne necessário um esforço compensatório para recuperar alguma confiança nas nossas previsões com os meios artificiais da ciência. No passado, era menos difícil entrar em relação com o futuro, e por isso era menos sentida a necessidade de aguçar os nossos instrumentos de previsão.
O ministro que hoje se serve de um relatório científico não só tem ao seu dispor uma coisa de que anteriormente qualquer administração carecia como recebe também uma coisa de que anteriormente nenhuma administração precisava. As nossas tentativas de assegurar o domínio da realidade mediante processos científicos desempenham as funções de uma prótese. Ora bem: nenhum instituto de prognósticos está em condições de reproduzir a estabilidade orientadora que outrora era assegurada por tradições vivas, ou seja, quando a futurologia ainda não tinha sentido. A futurologia é a tentativa de restabelecer na medida do possível a calculabilidade das condições da nossa acção com os meios artificiais da ciência. Podemos celebrar a nossa capacidade de antecipação como um verdadeiro progresso, mas não deveríamos esquecer que essa alegria é comparável à do míope que põe uns óculos. Os mesmos motivos que tornam inevitável a prospectiva estão na origem das suas enormes limitações. Numa sociedade que corre atrás da inovação, premeia a capacidade criadora e favorece a individualização, num mundo dinâmico que se distingue das sociedades tradicionais porque as suas estruturas não foram pensadas para durar nem os comportamentos são especialmente predizíveis, reduz-se a estabilidade e a sua segurança estrutural. A dificuldade de adquirir competência em relação ao futuro é o preço que temos de pagar pelo avanço do conhecimento e pelo crescimento socioeconómico. Numa civilização acelerada, a prognosticabilidade diminui porque crescem as dificuldades de compreensão, com as nossas categorias, de processos que são extremamente complexos. Entre as novas ignorâncias, uma das mais evidentes é a que decorre da impredizibilidade dos movimentos iniciados. Muitas das mudanças sociais subtraem-se ao controlo racional, à planificação, à programação ou à previsão. Consequências aleatórias, imprevistas, riscos dificilmente reconhecíveis, desempenham agora um papel mais relevante do que nas chamadas sociedades industriais. No entanto, a diminuição da certeza sobre o futuro não deve ser entendida como a antecâmara de uma perspectiva sombria, como se o desconhecimento fosse sempre um presságio do pior». In Daniel Innerarity, El Futuro y sus inimigos, 2009, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.

Cortesia de Teorema/JDACT