«O catarismo é um
fenómeno histórico que pode ser observado segundo dois pontos de vista: para
uns, é uma religião evangélica, para outros, trata-se de uma clara heresia…»
Lenguadoc. Século XIII
As Forças Políticas
«(…) Seja como for, Pedro achou-se
no centro do furacão. E esforçou-se muito para se esquivar da tragédia que, em
nossa opinião, veio a abater-se sobre ele. Ele era, de facto, mais talhado para
batalhas contra inimigos a cavalo que contra imprecisos hereges. Apesar das
polémicas e das discussões não serem o seu forte, foi muitas vezes chamado ao
Languedoc para falar com uns e outros, e todos ao mesmo tempo, e tentar
fazê-los entrar na razão. Convenhamos que o papel de Pedro I não era fácil: por
um lado, parecia-lhe indiscutível que o Languedoc formava parte do território
natural da expansão catalã-aragonesa. Contar com Raimundo VI como aliado era
uma perspectiva difícil, mas não impossível, como se verificará nas horas mais
negras da Cruzada. Os Trencavel eram aliados incondicionais do rei católico:
bastava só esperar por um momento oportuno, talvez um casamento?, para que
passassem de vassalos a simples súbditos territoriais da Coroa.
O mesmo é dizer que, falando em
termos medievais, terras e homens podiam chegar a depender de Pedro I, sempre e
quando, naturalmente, este se pusesse a seu lado. Por outro lado, havia a
heresia cátara, instalada, clara e crescente. E a atitude irredutível de Inocêncio
III, o mesmo papa que o tinha coroado. O problema de Pedro I era o mesmo de
Raimundo VI, com todas as matizes e gradações de diferença particulares, mas
idêntico no essencial. A Coroa de Aragão, igual à do rei de França, era um estado
jovem, como os seus reis, com brio, a que tudo sorria. O território tinha
crescido e os cavaleiros das quatro barras eram respeitados e temidos em todo o
horizonte medieval: são os anos dourados de conquista, ou reconquista, de
criatividade, que naquele momento se definia pelo sistema militar e político.
Traçámos um esboço das forças
políticas que vão estar presentes na Cruzada, muitas das quais se viram
envolvidas nela contra as suas próprias intenções e vontade. Existe, apesar de
tudo, uma força política da qual não dissemos nada: a Igreja Católica. O
jogo manipulado pela lgreja, ainda que motivado por razões religiosas, é
raivosamente polírico até à evidência. Inocêncio III, a partir de Roma,
decide solucionar um problema de primazia religiosa, por meio de manobras
políticas e tropas militares. Contudo, a Igreja está a defender qualquer coisa muito
grave naquele começo do século XIII: o ser ou não ser da sua hegemonia
religiosa, bastante afectada pelo Islão. A eclosão e o desenvolvimento do
catarismo tinham alcançado uma difusão e penetração extremamente perigosas no
seio do Languedoc católico. Na Lombardia e no Império Germânico, também se
tinha enraizado de maneira mais grave a heresia, que se propagava em ambas as
vertentes da Catalunha pirenaica, na França do norte e na Provença, ainda que
com menor intensidade. O catarismo estava, enfim, presente em todos os lados.
É o momento único para a Igreja,
uma conjuntura de proeminência ou retrocesso, com muitos elementos à mistura. Com
o objectivo de definir a situação política do momento, seguindo o pensamento de
Riu, permitam-nos adiantar que, poucos anos depois do início daCruzada (1209),
produzem-se três factos históricos que fixam, quase definitivamente, o desenho
do mosaico da Europa moderna. Somente três anos depois, no ano de 1212, ocorre a batalha de Navas de
Tolosa, onde a coligação católica hispânica determinou com a sua vitória o
fim do predomínio árabe na península. Um ano depois (1213) vírá Muret.
Este representou, apesar de tudo, um forte travão às aspirações da Coroa de
Aragão de se expandir até ao norte, e colocou todas as cartas nas mãos dos reis
de França, que souberam jogá-las muito bem no momento oportuno, consolidando
assim a sua fronteira meridional. Não tinha decorrido mais de um ano (1214)
quando, em Bouvines, os franceses configuraram pelo norte e pelo este os seus
limites, quase os mesmos da actualidade. 1212, 1213, 1214, três anos em que,
enquanto a Cruzada seguia o seu curso, a História ia definindo o futuro
político desta Europa Ocidental». In Jesus Mestre Godes, Els Cátars, Problema
religiós, pretext politic, Cathari, Ediciones Península, 1995, ISBN
84-8507-710-8., Origens, Desenvolvimento, Perseguição, Extinção, Editora
Pergaminho, 2001, Cascais, ISBN 972-711-297-8.
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