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No Original.
«A origem da camara de Lisboa remonta, quasi,
á constituição politica de Portugal como paiz independente. É o que se deduz do
Foral de Lisboa dado em maio de
1217, da era de César (anno de
1179), pelo rei Affonso I, que se dirige ao concelho pela expressão Homens bons, e da carta de el-rei
Sancho I, datada de Guimarães no mez de agosto da era de 1242 (anno de 1204): Saibhades
q nom lia Rey nem príncipe no mundo q mais possa amar alguu comcelho q eu auos amo.
A corporação municipal compunha-se de um certo numero de alvazis (magistrados judiciais e municipais), que não nos é
possível determinar, do procurador do concelho, e ainda de outros magistrados
de ordem secundaria. Estava encarregada, sob a immediata jurisdicção do alcaide-mór,
de todos os negócios administrativos e judiciaes do concelho; mas nos assumptos
mais importantes do governo reunia-se em rellaçom
com as pessoas notáveis e abastadas da cidade, que eram os chamados homens bons. As funcções dos alvazis,
assim como as dos mais officiaes do concelho, duravam um anno e eram gratuitas
e obrigatórias. Com a successão dos tempos as attribuições, propriamente municipaes,
que exerciam os alvazis, passaram para uma outra ordem de magistrados, a que se
deu o nome de vereadores. Não podemos,
comtudo, conhecer, ao certo, quaes os factos que determinaram esta nova magistratura,
que no reinado de Affonso IV já fazia parte integrante da camará da villa de
Lisboa.
Só no tempo d'el-rei Fernando é que, pela primeira
vez, apparecem os chamados vereadores,
em numero de trez, funccionando simplesmente com o procurador do concelho, comquanto
ainda dependentes do corregedor da cidade,
que era o delegado do poder supremo. Os alvazis exerciam então attribuições exclusivamente
judiciaes, com o titulo de juizes, e despachavam com os vereadores. É o que se
collige dos documentos antigos existentes na archivo da camara de Lisboa. A casa
onde reuniam os magistrados encarregados do governo da cidade, para deliberar, chamava-se,
primitivamente, paaço do comçelho. Não se precisa bem a época em que se começou
a dar a denominação de Tribunal do
senado á camara de Lisboa. Inclinamosnos a que fosse no tempo dos Filippes,
como consequência immediata do alvará de 2 de maio de 1609, que concedeu ao presidente da camara, emquanto o fosse, os mesmos
privilégios e regalias que tinham os presidentes dos conselhos, regedor da casa
da suplicação e tribunaes da corte.
O corpo municipal era electivo, e escolhido
d'entre todos os homens bons do
concelho; mas, emquanto à forma da eleição, nada se encontra de positivo anteriormente
á carta regia de 13 de junho da era de 1429
(anuo
de 1391). A entrada dos quatro procuradores dos mesteres na camara de Lisboa
é anterior ao tempo d'el-rei João I, como se vê das respostas aos capítulos que
lhe foram offerecidos pelos mesteres da Casa dos Vinte e Quatro, no mez de
junho da era de 1433 (anno de
1395): Outro ssy dizem que estes vinte e quatro dos mesteres soiam de seer na
camara aas vereaçoões e hordenaçoões e dar dos ofícios e porque o posestes em duvyda
uos enuyam fazer dello certo por escriptura pubrica, e que elles nom querem estar
todos juntos sse nom cada somana ou cada huü mes quatro ou seis. Resposta:
Manda
o senhor lffante q alguus dos mesteres entrem e estem na camara ao em leger dos
ofícios e quando fezerem hordenaçoões que pertençam ao poboo. Esta decisão
foi depois confirmada nas cortes de Leiria em 1438. Desde então os mesteres ou procuradores da Casa dos Vinte
e Quatro ficaram tendo assento na camara, definitivamente, da mesma forma
que o procurador da cidade, mas em logar inferior; e só votavam nos assumptos, que
diziam respeito ás corporações dos officios mechanicos e ao governo economico da
cidade. Nos outros negocios, que dependiam de conhecimentos especiaes de direito,
não votavam.
Este principio, em geral,
nunca foi consignado na legislação do municipio dum modo claro e positivo; mas a
pratica constante o fazia considerar como lei. Era da competência dos mesteres,
como delegados da Casa dos Vinte e Quatro, lembrarem e requererem em camara
as cousas do bem publico da cidade e do povo d'ella, e eram nullas todas
as resoluções não estando elles presentes, salvo quando faltavam sem causa justificada.
Entre muitas outras, gosavam da prerogativa de não poderem ser condemnados a pena
vil; e nos actos públicos e officiaes empunhavam, como insígnia do cargo, uma vara
vermelha, encimada pelas armas da camara. Os procuradores dos mesteres eram obrigados
a comparecer na casa da camara todos os dias, sob pena de serem suspensos do exercício
de suas funcções. N'este caso os vereadores eram os juizes, e das suas sentenças
não havia appellação, nem agravo». In Eduardo Freire Oliveira, Elementos para a
História do Município de Lisboa, 1ª parte, Câmara Municipal de Lisboa, no
centenário do marquês de Pombal em 8 de Maio de 1882, Typographia Universal, 1885.
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