«Fernão
Lopes ao tratar dos privillegios que deu
aa çidade de Lisboa o Mestre de Aviz em 1384, diz que os da çidade
forom mui comtemtes, e ell [o Mestre] cobrou gram louvor e fama. Os quaaes lhe pedirom
por merçee que mamdasse logo derribar o castello dessa çidade; e seemdo
outorgado per elle, foi deitado em terra sem outra tardamça. No estudo O Concelho
de Lisboa na Crise de 1383-1385, ao enumerar as concessões feitas pelo Mestre de Aviz à cidade de Lisboa, termina
afirmando: além disso foi demolido o
castelo, tido pelos moradores como velho instrumento de opressão da sua
autonomia municipal. Não cita a fonte para esta referência, mas foi decerto
o trecho da Crónica de D. João I atrás transcrito. Esse mesmo trecho de
Fernão Lopes suscita, supomos, dois problemas, pelo menos. O primeiro é
o do sentido a dar à palavra castelo. Significaria
a cinta de muralhas que cerca o monte ou só o castelejo? Parece-nos que
significaria o castelejo, pois a cinta de muralhas incorporava uma parte da cidade,
a actual freguesia de Santa Cruz do Castelo, e estava em causa a antinomia
guarnição do castelo, povo de Lisboa. Mas se os lisboetas pediram para derribar o castelejo e este foi deitado em terra sem outra tardança,
ficava no perímetro defensivo da cidade, nas suas muralhas, quer nas da cerca
velha ou moura, quer nas da cerca fernandina, um trecho não preenchido e
portanto sem defesa.
É
evidente que esta situação não convinha de nenhum modo à população de Lisboa.
Constituía um terrível perigo perante um atacante. E Lisboa com o estuário do
Tejo exposto às investidas de qualquer armada inimiga ou de piratas podia ser
atingida quase de surpresa. De recordar ter o monarca Dinis I mandado erguer
as muralhas da Ribeira. A razão diz-se no diploma régio de 4 de Junho
de 1294: A todos aqles q esta Carta uirem
e leer ouuyrem ffaço saber Que como a Cydade de Lixboa steuesse en perhygoo de
La mha Torre da escriuanya ataas mhas Casas das Galees de cõtra o mar per razõ
do muro q hy nõ auia ne fortaleza nenhüa e q recebya per hy o Concelho muyto
mal e muyto dano, per razõ daqles q uiam pelo mar de fora parte. Como admitir
ficar Lisboa e por vontade dos seus habitantes sem um trecho das muralhas do
seu perímetro defensivo, para mais
dando acesso à parte superior da cidade, ao cume do monte do castelo, portanto
à zona de grande parte da cidade de então?
A
planta de João Nunes Tinoco de 1650
tem marcados o castelejo e grande parte da muralha fernandina. Basta olhar para
ela para se verificar a abertura que se rasgava na cinta de muralhas de Lisboa
se o castelejo desaparecesse. E se por castelo se designassem as muralhas que
coroam o monte, a abertura só ficaria maior. O grande estudioso das
fortificações medievais de Lisboa, que as reconstituiu com tanta precisão, Augusto
Vieira Silva, certamente por este motivo, pois infelizmente não explicita o seu
pensamento, considera ter sido derrubado outro castelo, que não o de S. Jorge.
Eis as suas palavras: Mas o que seria
o Castelo de Lisboa que aquele cronista diz ter sido rapidamente derribado? Não
era certamente o Castelo de S. Jorge que nós temos ainda o prazer de ver no
alto do monte do seu nome.
Mas
se não se tratava do castelo de S. Jorge, que castelo seria esse do qual não
resta o menor vestígio nem a mais
ténue notícia documental? Onde
poderia ele situar-se? Como e
quando foi construído e como desapareceu tão misteriosamente? Por não
ver a menor possibilidade de resposta às questões enunciadas, apesar de
conhecer tão profundamente as fortificações medievais de Lisboa e a sua história,
certamente por isso, Augusto Vieira Silva formulou o problema, mas não tentou
qualquer solução, nem sequer tentou apresentar uma mera hipótese. Noutro trecho
da mesma obra, o douto olisipógrafo, depois de transcrever o seguinte trecho da
Monarquia Lusitana de frei
Manuel dos Santos: O castelo [está] no
mesmo monte que hoje, mas outro, porque o presente he já segundo, comenta: Que mistério está aqui anunciado?
Realmente, tudo isto parece um mistério. Um segundo castelo de que não há
vestígios nem notícias documentais ou uma Lisboa franqueada a um atacante, por
faltar um trecho na linha das suas muralhas por vontade dos seus habitantes, é
na verdade um mistério. No entanto, parece haver uma solução verosímil e
simples. Como se sabe e Fernão Lopes narra, a guarnição do castelo não
aderiu à causa do Mestre de Aviz nem apoiou o movimento para o elevar a Regedor
e Defensor do Reino pelos lisboetas abraçado com entusiasmo. Escreveu a
este respeito Fernão Lopes: Disse o Meestre que hüu dos empachos que
tiinha neste feito, era o castello da çidade que estava comtra elle por parte
da Rainha; o quall compria muito de seer filhado, por a çidade nõ rreceber
dampno peo elle dalguüas gemtes, sse viinr quisessem comtreellae. Por
isso, o Meestre hordenou emtom de os combater; e mãdou fazer huü artefiçio de
madeira que chamam gata: que, como huüa baixa cava que entomçe o castello
tiinha fosse chea, podesse hir per çima jumtar com elle, e de sso ella podesse
hir picar o muro e emtrar demtro. E deziam os de fora aos do castello, que o
dessë ao Meestre seu Senhor. O castelo acabou por se entregar ao Mestre
de Aviz depois de algumas negociações e delongas». In Fernando Castelo Branco, Um
Enigma na História do Castelo de Lisboa, a Joaquim Veríssimo Serrão os
Amigos, Fraternidade e Abnegação, Academia Portuguesa da História, Lisboa,
1999, ISBN 972-624-126-X.
Cortesia
da APdaHistória/JDACT