As
Capacidades como Direitos Fundamentais: Sem e a Justiça Social
A
Abordagem das Capacidades e a Justiça Social
«(…)
Algumas dessas diferenças são naturalmente de ordem física: uma criança tem necessidade
de ingerir mais proteínas do que um adulto para poder alcançar o mesmo nível de
desempenho, e uma mulher grávida precisa de mais nutrientes do que uma que o
não esteja. Mas as diferenças pelas quais Sen mais se interessa são as
diferenças sociais que dizem respeito a vários tipos de descriminações que se
encontram bem enraizadas. Em qualquer país no qual a tradição desencoraje as mulheres
a aspirar à educação, há necessidade de uma maior utilização de recursos que seja
destinada à literacia feminina do que à masculina. Ou, para citar o seu famoso
exemplo, uma pessoa que esteja confinada a uma cadeira de rodas terá
necessidade de mais recursos relacionados com a mobilidade do que uma que tenha
uma mobilidade normal se ambas
necessitarem de um nível semelhante de capacidade de deslocação. (Embora Sen
tenda a considerar este exemplo como um caso apenas de diferença física,
parece-me que não devemos encará-lo dessa forma: pois uma pessoa numa cadeira
de rodas que não tenha a capacidade de se deslocar é, independentemente desse
facto, um ser totalmente social. É sabido que os participantes em maratonas que
se deslocam em cadeiras de rodas terminam sempre as provas antes daqueles que
se servem dos seus próprios membros.
É
a falta de condições (rampas, acessos a transportes ou a elevadores, etc.) que normalmente
impede a sua mobilidade na vida. O mundo social é destinado às pessoas que possuem
um conjunto típico de capacidades e incapacidades e não àquelas cuja condição é
atípica. Aparentemente, as ideias de Sen sobre igualdade são importantes em
áreas como a da justiça social ou a das políticas públicas visto que, quando
uma sociedade dá importância à igualdade entre as pessoas e a situa entre os seus
objectivos de ordem social, a igualdade de capacidades deve ser o tipo de objectivo
a que atribui maior importância. Como é óbvio, a igualdade é para as mulheres
que aspiram à justiça social um objectivo essencial; portanto, e uma vez mais,
estas ideias têm uma força e uma importância que são particularmente relevantes
no contexto do feminismo. Mas Sen nunca diz até que ponto se devia considerar
que a igualdade de capacidade é um objectivo social nem de que forma deveria
ela estar associada a outros valores políticos na tentativa de alcançar a
justiça social. Assim, a sua argumentação sobre o tipo de relação que deveria
existir entre o conceito de igualdade e uma teoria da justiça, continua até
agora a ser confusa.
Nesta
exposição sustentarei que a abordagem das capacidades é de facto uma forma
valiosa para nos aproximarmos da questão dos direitos fundamentais e que ela é
particularmente adequada a tudo aquilo que se refere à igualdade entre os
sexos. (Uma das formas possíveis de poder utilizá-la, será a de a considerar como
uma das bases para os direitos constitucionais dos direitos fundamentais dos
cidadãos). Defenderei a sua superioridade ao ser comparada com as outras
abordagens da justiça social inscritas na área da tradição ocidental e quando a
confrontamos com as temáticas da igualdade entre os sexos. Embora possa estar
muito associada ao paradigma dos direitos humanos, nalguns aspectos ela
supera-o, o que se torna mais evidente nos domínios das diferenças entre os
sexos. E é melhor do que as abordagens que se baseiam na tradição ocidental do
contrato social, graças ao modo como encara a questão da prestação de cuidados que
são essenciais para alcançar a igualdade entre os sexos, tal como recentemente
o trabalho que é realizado pelo feminismo tem vindo a demonstrar.
No
entanto, defenderei que a abordagem das capacidades apenas poderá proporcionar-nos
uma orientação definida e útil, ou provar que é uma aliada na tentativa de alcançar
a igualdade entre os sexos, se se estabelecer um inventário definido das mais
importantes capacidades, de um modo não definitivo e sujeito a ser revisto,
utilizando as capacidades nele elencadas para realizar um inventário parcial da
justiça social, na qualidade de um conjunto de direitos fundamentais sem os
quais nenhuma sociedade pode aspirar à justiça». In Martha C. Nussbaum, Educação e
Justiça Social, Colecção Contrapontos, Edições Pedago, Mangualde, 2014, ISBN
978-989-8655-34-9.
Cortesia
de EPedago/JDACT