A última corrida
«Era um rapaz que partiu
para conhecer o medo
o seu coração arranhado pelas chamas
tropeções de um cego que foge da aldeia
nessa noite
quem conseguiria contar.
De comboio em pensamento seguiu para Bréscia
a última corrida de aeroplanos do século
andava à roda de trinta mil liras
e ele queria muito voar sozinho
sobre florestas.
Ninguém soube mas a sua vida
vista daquele aeroplano maravilhara-o
chegariam os nevões é verdade
novas e novas sombras sobre a terra
mas a sua vida vista do aeroplano era tão grande
como nenhuma outra coisa que conheceu.
Cá em baixo diziam:
o seu voo prolonga-se sobre
cada floresta
e desaparece
nós vemos as florestas
mas não o vemos a ele».
Poema de Tolentino de Mendonça,
in ‘Longe não sabia’