jdact
e wikipedia
Cambridge, Inglaterra
«(…) Devemos agora voltar cada um
ao seu quarto. Por favor, evacuem o salão. Eu gostaria de falar com o Lively
por um instante em particular, se o restante dos senhores nos desculpar. Vários
dos homens apressaram-se a mexer-se em direcção à porta. Os demais seguiram um
pouco atrás. Só Chaderton voltou a cabeça. Quando o último fechou a porta,
Marbury começou: alguém tem de investigar este facto monstruoso..., e o senhor
sabe tão bem quanto eu que os vigias locais são inúteis. Está sugerindo que...?
Não. Tenho muita consciência da tempestade política que se seguiria se eu fosse
o investigador. E isso é uma vantagem para o senhor. Se eu seguisse a linha
óbvia de interrogatório, o senhor seria o primeiro suspeito. Eu?, explodiu o
outro. Foi quem encontrou o corpo... E você odiava Harrison. Eu dei o alarme. Um
gesto perfeito. Com o maior respeito imaginável, disse o académico sem respeito
algum, o senhor tem a visão turvada pelo conhaque que tomou. É o que todos
dizem. Sentimos no seu bafio.
O rosto de Marbury apresentou uma
peça completa, todos os cinco actos em rápida sucessão: raiva, contenção,
consideração, calma e inteligência. Quando ele por fim falou, foi como a um
colegial: tanto mais razão, então, para um investigador independente, Lively. Deu
um suspiro. E, se tomo um pouco de conhaque à noite, é para poder dormir. As preocupações
deste mundo se evaporam nos fogos da boa bebida, e vou para a cama como um
homem mais calmo. Quase a criança que fui. E agradeço, pois uma boa noite de
sono embora minha resposta ao insulto do dia seguinte. Isso permite-me devolver
o insulto mais com relutância que com violência. Quando era mais jovem, eu
muitas vezes esfaqueava o agressor com a minha adaga. Lively olhou a manga
esquerda dele; pendia mais baixo que a direita, lugar perfeito para esconder
uma lâmina curta. K percebeu de
repente que antagonizar o colega não seria uma prática sadia. Logo, disse,
engolindo em seco, tem alguém em mente para essa investigação? Não exactamente,
respondeu Marbury com voz seca. Mas, se der sorte, sei onde encontrar.
Na noite seguinte, na rua de pior
fama em Cambridge, Marbury hesitou antes de pegar na maçaneta da porta de uma
taberna. Vestia-se nobremente, utilizando preto da cabeça aos pés. Com uma capa
abaixo dos joelhos, baixara o chapéu na testa. Gostaria de ter-se afastado.
Tinha um estranho pressentimento. Apalpou a adaga, bem escondida na dobra da
capa. Ao senti-la tranquilizou-se. Ainda assim, no momento exacto em que
empurrou e abriu a porta, não teria podido explicar porque o fizera. Os caibros
no tecto baixo da lotada casa pública fizeram-no parar ao entrar. Ninguém tomou
conhecimento dele. Aquele era um lugar onde as pessoas desviavam
deliberadamente os olhos, para que não fossem arrancados da cabeça curiosa. As
paredes eram manchadas, raiadas de uma cor pútrida que não tinha nome. O
barulho quase cómico, uma acidentada algaraviada humana. Homens, de túnica
preta rasgada, meninos de sujos gibões vermelhos, velhos bêbedos em trapos
pardos, todos amontoados em torno de longas pranchas, cobertas com toalhas mais
ou menos limpas e que podiam hospedar alguma meia realeza de azul-marinho, um duque
menor de chapéu vermelho, um lojista de moderada riqueza metido em seda bruta,
uma matriarca de avental cinza ardósia. Todos sentavam-se em volta de mesas de
longas peças de madeira cor de mel, em bancos de uma só tábua.
Falha,
comida velha e cachorros adormecidos cobriam o piso, terra socada da Inglaterra.
Onde não havia mesa, ou um homem, havia uma coluna, de seis por seis polegadas
de pau áspero, que ajudava a sustentar o tecto prestes a desabar. Marbury
ergueu a cabeça por um momento para uma jovem com vestido cor de gengibre atrás
do balcão. Ela dardejou com os olhos à direita apenas um instante, na direcção
de uma portinha no canto do outro lado da sala. Sem outra comunicação, voltou
ao trabalho. O pastor encaminhou-se para a porta. Pegou a maçaneta, inspirou
fundo e empurrou a porta com um súbito surto de energia. Viu quando os três
homens saltaram dentro do quartinho. Entrou e fechou a porta. O relativo
silêncio do ambiente menor deixou-o nervoso. Pior: ali defronte, iluminados
apenas por uma vela, todos usavam máscaras. Os mantos de monge, negros como um
cano de arma, absorviam a maior parte da luz». In Phillip Depoy, A Conspiração
do rei James, Prumo, 2009, ISBN 978-857-927-022-2.
Cortesia de Prumo/JDACT