terça-feira, 14 de agosto de 2018

Elena. Marina Carvalho. «Eu? Um irmão?! Como assim? Quero dizer, é de conhecimento, público até, que a minha mãe tentou, ao longo de anos, engravidar de novo, sem sucesso, infelizmente»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Foi impossível não notar o duplo sentido da frase. Nos últimos tempos, os nossos olhares andam mais constantes e explícitos. Porém, por prudência, neste momento é melhor ignorá-los. Ah, Dimitri. Sabe. Quem não se apaixona pela leitura depois de ser devidamente apresentado a ela? Sorrimos um para o outro. Eh... Ele hesita. Não consigo interpretar o motivo. Precisa de dar um saltinho há sede do acampamento. A Ekaterina disse que o seu pai telefonou e vai voltar a telefonar daqui a alguns minutos. Franzo a testa. Nós sempre nos falávamos, digo, meus pais e eu. Mas não é comum eles me ligarem no meio do dia. Ele adiantou o assunto? Dimitri balança a cabeça, negando, claro. Pergunta mais tonta a minha! Vai lá. Eu fico aqui na sala enquanto conversa com o seu pai. Passo por ele, mas paro antes de sair para lhe dar umas palmadinhas nas costas. Não se deixe dominar pelas crianças. Elas podem ser bem persuasivas, quando cismam. De olhos arregalados, Dimitri exibe um sorriso frouxo. Coitado..., o forte dele são as construções, não pessoas com pouco mais de um metro de altura.

Pai! Aconteceu alguma coisa? Eu mal havia atendido o telefone e já queria entender logo o porquê dessa ligação fora do horário de costume. Olá, filha, responde ele, sempre com aquela voz que minha mãe vive chamando de sensual. Mesmo com seus quase 50 anos, Alexander Jankowski, meu amado pai, continua um gato, para alegria e deleite da princesa Ana, da Krósvia. Em primeiro lugar, preciso dizer que estamos com saudade. Eu também. E é verdade. A cada dia, fica mais difícil suportar a distância. Sinto falta de tudo, das pessoas queridas e do clima agradável de Perla. Por outro lado, temos muito orgulho da minha princesa. Meu pai revela, meio emocionado, mas lutando para não demonstrar o seu lado manteiga derretida. O pai sabe ser durão. E é esse orgulho, junto à certeza de que escolheu um caminho muito louvável, que até agora me impediu de apanhar o primeiro avião e trazê-la de volta à força. Rimos juntos. Conhecendo, sei que é bem capaz de fazer isso mesmo. Quantas vezes já tentou o herói protector por cima da mãe, hein? Por um instante, o meu pai fica mudo. Em seguida, informa: é por causa dela que estou ligando a essa hora, Elena. Sinto um frio na barriga. O que houve com a minha mãe? Ela... Ela..., Está bem. Na verdade, filha, a notícia é boa. Bom..., em termos. Ai, pelo amor de Deus! Porque o meu pai resolveu ser tão reticente? De repente, descobrimos que vai ter um irmão. Eu? Um irmão?! Como assim? Quero dizer, é de conhecimento, público até, que a minha mãe tentou, ao longo de anos, engravidar de novo, sem sucesso, infelizmente. Ou uma irmã. Mas... Eu não entendo. Os médicos não disseram que a probabilidade de uma nova gestação era quase nula? Pensei que..., pensei que..., tinham desistido.
O meu pai solta um suspiro longo e profundo. Eu, do outro lado da linha, sou só confusão. A ligação não caiu ainda. Desistimos mesmo. E paramos de nos preocupar. Faz tempo que não usamos nenhum método contraceptivo. Que constrangedor ter esse tipo de conversa com o próprio pai. Eu preferia ser poupada dessa informação. Quero dizer, claro que eles mantinham activa a chama da paixão, para não usar termos mais explícitos. Óbvio que a opção mais tranquila para mim é ignorar esse detalhe solenemente. Então, a sua mãe começou a sentir mal-estar todos os dias pela manhã. Chegamos a pensar que fosse um problema estomacal ou coisa parecida. Desde quando? Faz um mês mais ou menos. Uau! Que coisa! Meu pai continua: ela foi ao médico e, bom, descobrimos a existência do bebé. Dos bebés, melhor dizendo. Esqueci de dizer que são dois. Seus irmãos. Ou suas irmãs. Meus olhos encheram-se de lágrimas. Que impressionante! Aos 43 anos, a minha mãe, finalmente, realiza um de seus maiores sonhos, e eu, por tabela, estou sendo presenteada também». In Marina Carvalho, Elena, a filha da princesa, Galera Record, 2015, ISBN 978-850-110-492-2.

Cortesia de GaleriaR/JDACT