sábado, 4 de agosto de 2018

Conspiração no Vaticano. GL Barone. «Em poucos minutos, em frente do monitor plano do seu terminal, finalizou a operação que lhe tinha sido solicitada, transferindo trinta e oito milhões de euros dos cofres do Vaticano para quatro conta-correntes»

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«(…) A sede do Instituto para as Obras de Religião encontra-se no torreão de Nicolau V um búnquer com paredes de nove metros de espessura a poucos passos da porta de Sant'Anna, no Vaticano. Naquela noite, Luciano Spada estava pensativo, sentado à secretária num gabinete iluminado apenas por um candeeiro de mesa. O silêncio só era interrompido pelo tiquetaque ritmado do relógio de pêndulo e pelo eco longínquo do trânsito de Roma. Do lado de fora da porta, estavam em permanência dois guardas suíços, mas o resto do edifício estava meio vazio. Era presidente do IOR há quase três anos e um dos primeiros laicos a sentar-se naquele gabinete com paredes pintadas de vermelho-escuro e soberbas estantes de carvalho. Nascera em Lugano há sessenta e oito anos e, na sua longa carreira no mundo das finanças, ocupara sempre cargos de grande prestígio: chefiara, até 1986, a União de Bancos Suíços e foi presidente do Banco de Ivrea durante quinze anos, cargo que tinha deixado há três anos. Era presidente de duas empresas fundamentais para os negócios do Vaticano, uma luxemburguesa e outra com sede fiscal nas ilhas Caimão, e tinha ainda um lugar no conselho de administração de treze empresas.
Apesar da idade e das muitas responsabilidades, não se tinha cansado do trabalho. Continuava o mesmo homem, decidido e seguro de si. Sabia o que queria e como o obter.Certamente tinha de agradecer ao seu pai, um imigrante italiano que, depois da segunda guerra mundial, comprara um quiosque na suíça italiana. Tinha sempre acreditado nele e, com um esforço inimaginável, conseguiu pagar ao filho as propinas na faculdade de Economia da prestigiada universidade Bocconi de Milão. O Filho do Jornaleiro, como o tinham apelidado algumas personalidades do mundo das finanças, conseguiu subir na vida sozinho graças à sua inteligência, que todos consideravam fora do comum.
O telefone móvel tocou apenas duas vezes até o presidente do IOR atender. Tudo confirmado, disse alguém do outro lado da linha. Era uma voz autoritária, e o tom deixava adivinhar um interlocutor de idade avançada. Contudo, parecia camuflada por algum dispositivo electrónico. Qual é o montante exacto?, perguntou. Naturalmente, já conhecia a resposta, até porque lhe tinha sido entregue o habitual bilhete com a ordem, mas dada a entidade era melhor certificar-se mais uma vez. Trinta e oito milhões, confirmou a voz. Devo esperar problemas depois desta noite?, questionou Spada. Depois de um momento de silêncio o interlocutor respondeu: não te preocupes, não sou um cliente qualquer. Exacto. Se fosses, não me preocuparia.
Envia o pagamento e, obviamente, terás a tua percentagem, concluiu. Luciano Spada não conseguiu responder, porque a comunicação foi interrompida bruscamente. Já tinha entrado no jogo. Não podia voltar atrás e, de qualquer forma, jamais poderia dizer que não. Recentemente a imprensa tinha levantado a hipótese do seu envolvimento num negócio de lavagem de dinheiro proveniente da ex-Jugoslávia. Apesar dos processos judiciais que pendiam sobre si serem numerosos e heterogéneos, Luciano Spada não tinha remorsos; mesmo que tivessem algum fundamento, não se assustava com nada. Dizia-se que havia mais de cinco mil milhões de euros nos cofres do IOR, mas ele sabia muito bem que aquela estimativa tinha sido feita muito por baixo. Não se chega a presidente do IOR sem se sujar as mãos, mas esta acção era provavelmente a maior de todas.
Em poucos minutos, em frente do monitor plano do seu terminal, finalizou a operação que lhe tinha sido solicitada, transferindo trinta e oito milhões de euros dos cofres do Vaticano para quatro conta-correntes espalhadas por outros tantos cantos da terra. Era ele que geria os negócios do banco, embora formalmente o controlo da sua actividade estivesse entregue a um colégio cardinalício, presidido pelo secretário de Estado do Vaticano, o cardeal argentino Eduardo Rodrigo Jimenez. Com toda a probabilidade, o cardeal, devido aos seus muitos afazeres, nem sequer tinha lido o relatório anual, pelo que certamente não criaria problemas.
Terminada a operação, repetiu-a do início, desta vez transferindo um valor um pouco inferior a dois milhões de euros directamente para uma conta privada em seu nome. Não estava a roubar aquele dinheiro, e com isso concordava também a pessoa com quem tinha acabado de falar ao telefone móvel: tratava-se apenas da compensação por um serviço prestado. Spada saiu da sede do IOR pouco depois das dez horas noite, logo após um último telefonema, mais contente e um pouco mais rico». In GL Barone, Conspiração no Vaticano, 2013, Casa das Letras, 2013, ISBN 978-972-462-197-5.
                 
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