domingo, 26 de agosto de 2018

Mulheres. Charles Bukowski. «Não, não sei. Pois bem, eu acho que é uma pena dos diabos que um homem que escreve tão bem como tu não saiba nada de nada sobre mulheres»

jdact e wikipedia

«(…) Peter correu para a porta. Parou e voltou-se. Está bem, Chinaski! Mas não te esqueças do que eu te trouxe! Bateu com a porta e lá se foi. Lydia sentou-se no sofá, ao pé da porta. Eu estava sentado a cerca de trinta centímetros dela. Olhei-a. Ela estava maravilhosa. Eu tinha medo. Estendi o braço para tocar os seus longos cabelos. O seu cabelo era mágico. Retirei a mão. Todos esses cabelos são mesmo teus?, perguntei-lhe. Eu sabia que eram. Sim, disse ela, são meus. Pus a mão sob o seu queixo, e muito desajeitadamente tentei virar a sua cara para a minha. Nestas situações nunca me sentia seguro. Beijei-a ao de leve. Lydia saltou. Tenho de me ir embora. Estou a pagar a uma baby sitter. Ouve, disse eu, fica. Pagarei eu. Fica mais um pouco. Não, não posso. Tenho que me ir embora. Dirigiu-se para a porta. Eu segui-a. Abriu a porta. Depois voltou-se. Pela última vez estendi-lhe o braço. Ela ergueu o seu rosto e deu-me um beijo fugaz. Em seguida afastou-se e depôs-me na mão algumas folhas dactilografadas. A porta fechou-se. Sentei-me no sofá com as folhas na mão e ouvi o seu carro arrancar. Os poemas estavam agrafados, fotocopiados e intitulavam-se elllla. Li alguns. Eram interessantes, cheios de humor e sexualidade, mas mal escritos. Eram assinados por Lydia e as suas três irmãs, todas elas jocosas, corajosas e sexy. Atirei as folhas e abri a minha garrafa de whisky. Lá fora estava escuro. A rádio difundia sobretudo Mozart, Brahms e Beethoven.
No dia seguinte ou pouco depois, recebi pelo correio um poema de Lydia. Era um longo poema e começava assim:

Sai, velho anão,
Sai do teu escuro buraco, velho anão
Sai connosco para a luz do sol e
Deixa-nos pôr margaridas nos teus cabelos...

O poema continuava, e dizia como me sentiria bem a dançar nos prados com pardas criaturas fêmeas, que me trariam a alegria e o verdadeiro conhecimento. Arrumei a carta na gaveta da cómoda. No outro dia, de manhã, fui acordado por alguém que batia no vidro da minha porta de entrada. Eram dez e trinta. Vá-se embora, disse eu. E a Lydia. Está bem. Espera um minuto. Vesti uma camisa e umas calças antes de abrir a porta. Depois corri para a casa-de-banho e vomitei. Tentei lavar os dentes mas não consegui senão vomitar mais, o adocicado do dentífrico revolveu-me o estômago. Saí. Estás doente, disse Lydia. Queres que me vá embora? Oh, não, estou bem. Acordo sempre neste estado. Lydia parecia estar bem. A luz filtrada pelas cortinas iluminava-a. Ela tinha uma laranja na mão e lançava-a ao ar. A laranja rodopiava na luz da manhã. Não posso ficar» disse ela, mas quero pedir-te uma coisa. Diz lá. Sou escultora. Gostava de esculpir a tua cabeça. Está bem. Terás de ir a minha casa. Não tenho estúdio. Teremos de fazer isso em minha casa. Isso não te aborrece, pois não? Não.
Anotei a sua morada e instruções sobre como lá chegar. Tenta lá estar pelas onze da manhã. As crianças chegam da escola a meio da tarde e distraem-nos. Lá estarei às onze, respondi- lhe. Eu estava sentado em frente de Lydia, ao canto da cozinha. Entre nós estava um pequeno monte de barro. Ela começou a fazer perguntas. Os teus pais ainda estão vivos? Não. Gostas de Los Angeles? É a minha cidade preferida. Porque escreves dessa maneira sobre mulheres? De que maneira? Tu sabes. Não, não sei. Pois bem, eu acho que é uma pena dos diabos que um homem que escreve tão bem como tu não saiba nada de nada sobre mulheres. Eu não respondi.
Ó diabo! O que é que a Lisa fez com...? Ela pôs-se a vasculhar a sala. Oh, estas meninas que brincam a esconder os instrumentos da mãe! Lydia encontrou outro. Vou-me desenrascar com isto. Não te mexas agora, descontrai- te mas fica quieto. Eu estava sentado em frente dela. Ela trabalhava o monte de barro com um instrumento de madeira que terminava num anel de arame. Eu observava-a. Os seus olhos olhavam para mim. Eram grandes, de um castanho escuro. Mesmo o seu olho deficiente, aquele que desacertava com o outro, agradava-me. Eu retribuía- lhe o olhar. Lydia trabalhava. O tempo passava. Eu estava em transe. Então ela disse: que tal uma pausa? Queres uma cerveja?. Óptimo. Sim». In Charles Bukowski, Mulheres, 1978, 1985, Editora dom Quixote, 2001, ISBN 978-972-202-006-0.

Cortesia de EdomQuixote/JDACT