terça-feira, 7 de agosto de 2018

A Virgem e o Cigano. DH Lawrence. «Não, não é isso..., respondeu Yvette, impaciente. Tem algum segredo? Tem medo que eu o diga. Venha, prefere ir para a carroça, onde ninguém nos ouve?»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Fixou então o preço: cada uma dá-me um xelim e mais qualquer coisa para dar sorte? Só um bocadinho mais! Sorriu-se de um modo que tinha muito mais de bajulador que cruel, fazendo sentir a força da sua vontade, pesada como ferro, sob o veludo das palavras. Está bem, disse Leo. Um xelim por cabeça. Mas não demore muito tempo com isso. Oh, tu!, gritou-lhe Lucille. Queremos saber tudo! A mulher tirou dois bancos de madeira de debaixo da carroça e colocou-os perto da roda. Depois, agarrou a mão da alta e morena Lottie Framley e fê-la sentar-se. Não se importa que todos ouçam?, perguntou, olhando curiosamente para a face de Lottie.
Lottie corou, nervosa, enquanto a cigana lhe segurava a mão e lhe batia na palma com dedos duros, com um aspecto cruel. Oh, não me importo, respondeu ela. A cigana espreitou-lhe a palma da mão acompanhando as linhas com um dedo rijo e escuro, mas que parecia limpo. Lentamente, leu-lhe a sina, enquanto os outros, que se encontravam à escuta, gritavam: oh, esse é o Jim Baggaley! Oh, não acredito! Oh, isso não é verdade! Uma mulher loura que vive debaixo de uma árvore! Quem é que já ouviu uma coisa dessas?! Até que Leo as calou, com um aviso. Ora, calem-se, raparigas! Vocês assim estragam tudo!
Lottie retirou-se corada e confusa, e foi a vez de Ella. Esta era muito mais calma e perspicaz e tentou interpretar as palavras proféticas. Lucille interrompeu-as permanentemente com exclamações, enquanto o cigano, no alto dos degraus, se mantinha imperturbável, sem qualquer espécie de expressão. Porém, os seus atrevidos olhos continuavam pousados em Yvette, que os sentia nas faces, no pescoço e que não ousava olhar para cima. Mas Framley olhava de vez em quando para ele e recebia de volta, do agradável rosto do cigano, dos seus olhos escuros, vaidosos e orgulhosos, uma mirada superficial. Era um olhar peculiar, naqueles olhos que pertenciam à tribo dos humildes: um olhar que mostrava o orgulho do pária, o desafio, meio trocista, do proscrito, que troçava dos cumpridores das leis e seguia o seu caminho. O cigano manteve-se ali durante todo o tempo, segurando a criança nos braços, olhando, sem se preocupar com o que se passava à sua volta.
Agora, era Lucille quem dera a sua mão a ler: esteve do outro lado do mar e aí encontrou um homem..., um homem de cabelos castanhos..., mas ele era demasiado velho... Oh!, exclamou Lucille, virando os olhos para Yvette. Mas Yvette estava abstracta, agitada, sem prestar qualquer atenção, pois encontrava-se num dos seus estados hipnóticos. Casará dentro de poucos anos, não agora, dentro de alguns anos, talvez quatro, não será rica, mas terá o suficiente e irá para longe, numa grande viagem. Com o meu marido ou sem ele?, perguntou LucilIe. Com ele... Quando chegou a vez de Yvette e a mulher olhou para ela, com um olhar arguto e cruel, procurando no seu rosto qualquer coisa, durante muito tempo, Yvette disse, nervosa: não, creio que não quero que leia a minha sina. Não, não quero! De verdade, não quero! Tem medo de alguma coisa?, perguntou a mulher cigana, de um modo cruel.
Não, não é isso..., respondeu Yvette, impaciente. Tem algum segredo? Tem medo que eu o diga. Venha, prefere ir para a carroça, onde ninguém nos ouve? A mulher era curiosamente insinuante, enquanto Yvette era sempre caprichosa, instável, perversa. Agora, no seu frágil e jovem rosto via-se esse ar de perversidade, que lhe dava um estranho aspecto de dureza. Sim!, disse ela subitamente. Sim! Poderei fazer isso mesmo! Oh!, gritaram os outros. Não é justo! É melhor que não o faças!, gritou Lucille. Sim!, disse Yvette, com aquele seu jeito duro, que de vez em quando aparentava. Vou fazer isso mesmo, vou para a carroça. A cigana disse qualquer coisa ao homem que se encontrava no alto dos degraus. Este entrou na carroça, onde permaneceu alguns instantes, e depois reapareceu, desceu os degraus, pousou a criança no chão, sobre os seus pés ainda incertos e segurou-a pela mão. Muito elegante nas suas botas pretas bem engraxadas, calças pretas justas e jaqueta verde-escura, também justa ao corpo, caminhou lentamente, com a criança titubeante, em direcção ao cigano mais velho, que dava ao cavalo ruão uma ração de aveia, no abrigo de ramagens entre paredes de rocha cinzenta, com fetos secos a cobrir o chão de lajes». In DH Lawrence, A Virgem e o Cigano, 1926, Editora Assírio & Alvim, 1984, colecção O Imaginário, ISBN 978-972-370-164-7.

Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT