quinta-feira, 16 de agosto de 2018

A Princesa Determinada. Catarina de Aragão. Philippa Gregory. «Estou a dizer-vos que não podeis entrar! Mesmo que fosseis o Rei da Inglaterra em pessoa, não poderíeis entrar. Eu sou o Rei da Inglaterra, afirmou Henrique Tudor, pouco contente»

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«(…) Traímos a nossa palavra em três meses, expulsando os Judeus e ameaçando os Muçulmanos. Todos têm de se converter à Fé Verdadeira e, depois, se houver alguma sombra de dúvida, ou qualquer suspeição contra eles, a sua fé será testada pela Santa Inquisição (maldita). É a única forma de construir uma nação: através de uma fé. É a única forma de criar um povo a partir da grande diversidade que fora Al-Andalus. A minha mãe mandou construir uma capela na sala do conselho e, onde antes estava escrito. Entrai e perguntai. Não temais procurar a justiça, porque aqui a encontrareis, na bela escrita árabe, reza a um Deus mais inflexível e intolerante do que Alá; e já ninguém vem aqui procurar justiça. Mas nada pode mudar a natureza do palácio. Nem sequer o som dos pés dos nossos soldados a marcharem sobre o chão de mármore pode ameaçar a secular sensação de paz. Pedi a Madilla que me ensinasse o que dizem as inscrições fluidas em todas as divisões, e a minha preferida não é a que se refere à promessa de justiça, mas as palavras escritas no Pátio das Duas Irmãs, que diz: alguma vez haveis observado tão belo jardim?, e depois respondem a si mesmas: nunca vimos um jardim com tal abundância de fruta, tão doce nem tão perfumada: não é verdadeiramente um palácio, nem sequer como aqueles que conhecemos em Cordova ou Toledo. Não é um castelo, nem um forte. Foi construído inicialmente e sobretudo como um jardim, com salas de um luxo sofisticado, para que fosse possível viver ao ar livre. É uma série de pátios concebidos tanto para flores como para pessoas. Um sonho de beleza: paredes, azulejos, pilares fundindo-se com flores, escadas, fruta e vegetação. Os mouros acreditam que um jardim é um paraíso na Terra e gastaram fortunas, ao longo dos séculos para conceber este al-Yanna: a palavra que significa jardim, lugar secreto e paraíso. Sei que o adoro. Apesar de ser uma criança, sei que este é um local excepcional; que nunca encontrarei um lugar tão bonito. E mesmo sendo criança, sei que não posso ficar aqui. É a vontade de Deus e a vontade da minha mãe que eu deixe al-Yanna, o meu lugar secreto, o meu jardim, o meu paraíso. Seria meu destino encontrar o lugar mais belo do mundo inteiro quando tenho apenas seis anos, e, depois, deixá-lo quando tivesse quinze; com tantas saudades de casa como Boabdil; como se a felicidade e a paz não passassem de um breve período na minha vida.

Palácio de Dogmersfield. Hampshire. Outono de 1501
Estou a dizer-vos que não podeis entrar! Mesmo que fosseis o Rei da Inglaterra em pessoa, não poderíeis entrar. Eu sou o Rei da Inglaterra, afirmou Henrique Tudor, pouco contente. E ou ela sai imediatamente, ou eu entro e o meu filho entra a seguir. A Infanta já avisou o rei de que não pode vê-lo, disse a aia secamente. Os nobres da sua corte foram ter com o rei para lhe explicar que ela se encontra em reclusão, como senhora da Espanha. Achais que o rei da Inglaterra cavalgaria pela rua abaixo, quando a Infanta se recusou a recebê-lo? Que tipo de homem pensais que ele é? Exactamente como este, afirmou e lançou o punho com o enorme anel de ouro na direcção do seu rosto. O conde de Cabra entrou no vestíbulo apressado, reconhecendo imediatamente o homem magro de quarenta anos que estava a ameaçar a aia da Infanta com um punho cerrado, com alguns empregados assustados e gritou: o rei!
Ao mesmo tempo, a aia reconheceu a nova insígnia da Inglaterra, as rosas combinadas de York e Lancaster, e retraiu-se. O conde deteve-se e fez uma grande vénia. É o rei, sussurrou, com a voz abafada por estar a falar com a cabeça entre as pernas. A aia soltou um suspiro de horror e mergulhou numa profunda reverência. Levantai-vos, disse o rei bruscamente. E ide buscá-la. Mas ela é a Princesa da Espanha. Nossa Graça, respondeu a mulher levantando-se, mas com a cabeça ainda inclinada. Deve permanecer em reclusão. Não pode ser vista por vós antes do dia do casamento. É a tradição. Os seus nobres foram explicar-vos... É a vossa tradição. Não é a minha tradição. E uma vez que ela é minha nora no meu país, sob as minhas leis, vai obedecer à minha tradição. Ela recebeu uma educação bastante cuidada, modesta e adequada... Então, vai ficar muito chocada quando encontrar um homem furioso no quarto. Minha senhora, sugiro-vos que a tragais aqui imediatamente. Não o farei. Vossa Graça. Eu recebo ordens da própria rainha da Espanha, e ela encarregou-me de me certificar de que era prestado todo o respeito à Infanta e de que o seu comportamento era sempre...» In Philippa Gregory, Catarina de Aragão, A Princesa Determinada, Livraria Civilização Editora, 2006, ISBN 978-972-262-455-8.
                                                                                      
Cortesia CivilizaçãoE/JDACT