quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Poemas de Alcipe. Marquesa de Alorna. «Contra a luz da justiça, tremulando, assustados os vícios se arremessam, a máscara rasgando; com vacilante pé, coxos, tropeçam…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…)
Canções
Despotismo
«(…) Pensamentos, nascei, que Apolo o manda!
Atrevidos nascei, em liberdade!
Quando a mão execranda
Do Poder ou da fera atrocidade,
Vos queira comprimir o voo altivo,
Soltos voai, impávidos rompendo
O véu em que a mentira
Quere simuladamente ir-se envolvendo!

Contra a luz da justiça, tremulando,
Assustados os vícios se arremessam,
A máscara rasgando;
Com vacilante pé, coxos, tropeçam
Ante o gesto brilhante da verdade,
E vão bater com as formas espantosas
Nos escolhos medonhos
Que as Fúrias acarretam, cavilosas.

Levantai-vos, clamores, do meu peito!
Não peses, mão, com a força das cadeias!
É vergonhoso efeito
Do Despotismo, limitar ideias;
Os sustos pusilânimes nasceram
No seio deste monstro assaz fecundo;
Dele, ai de nós! derivam
Os males que hoje inundam todo o mundo.

Como te pintará meu verso triste?
Despotismo cruel, tua face vejo!...
Com Jove te mediste,
Altivo levantando a voz sem pejo,
Antropófago cru, lavado em sangue,
Monstro sem lei, que as leis todas despreza,
E arrasta sem vergonha
O código da sábia Natureza.

Tu, enérgicas almas abatendo,
Em lugar da virtude generosa,
Nelas foste acendendo
Aduladora chama melindrosa.
Do vil receio os corações dominas;
Decorado dos trajes da Prudência,
E espíritos arrastras
Ante as aras profanas da indecência.

O Fanatismo segue-te choroso,
Cinge a corda, o cilício não despreza;
Mas punhal sanguinoso
Esconde para a vítima indefesa;
Levanta os olhos para o Céu que argúe
Com brandos sons, com vozes simuladas;
As entranhas lacera,
E a fraude guia às mentes subjugadas.

Solta, ó Jove, os teus raios sobre o ímpio!
Cibele antiga, traga este tirano!
Surge, ó severo brio!
Virtude! Surge, e vence o nosso dano!
Se uma vítima falta ao Despotismo,
Lília oferece-se aos fados tenebrosos;
Farte em mim seus furores,
E os mais homens, enfim, sejam ditosos.

Escutai-me, altos muros pavorosos,
Regiões de silêncio e de amargura!
Canções de mágoa pura
Gemente solte a lira ao desamparo.
Volve a elástica luz aos Céus formosos,
Se Febo a manda ao vale;
Mas em vão quere a sorte que eu me cale,
Forçando o mesmo Febo a ser avaro.

No peito aflito surge novo canto;
Nasce em nós a harmonia da tristeza;
Exprime com clareza
Um triste a dor que sente, as mágoas suas;
A lira move mais lavada em pranto,
Que de louro virente
Pela Musa enramada, alegremente
Cantando Amor e as lindas Graças nuas».
Poemas de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in Poemas de Alcipe’

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