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«(…) Embora a declaração tivesse
sido proferida sem qualquer emoção, fez-se um momento de silêncio. Viajamos
juntos para Roskilde?, perguntou Hansen, tendo aparentemente entendido que não
iria conseguir arrancar qualquer informação dela. Eu encontro-me consigo lá. Mal
posso esperar. Stephanie saiu do escritório e Malone recuou no seu esconderijo,
e virou o rosto quando ela passou. Ouviu a porta do escritório de Hansen bater
e aproveitou a oportunidade para voltar à entrada da loja. Stephanie abandonou a
livraria e virou à esquerda. Ele esperou um pouco e depois seguiu-a por entre
os transeuntes em direcção à Torre Redonda.
Não olhou para trás uma única
vez. Parecia nem sequer conceber que alguém pudesse estar interessado nas suas
andanças. Contudo, devia estar preocupada com essa possibilidade,
principalmente depois do que acontecera com o homem da faca. Interrogou-se
porque não estaria ela atenta e alerta. Era certo que não era uma operacional,
mas também não era parva. Ao chegar à Torre Redonda, em vez de virar à direita
e dirigir-se à Höjbro Plads, onde se situava a livraria de Malone, continuou em
frente, e depois de andar mais três quarteirões, entrou no Hotel d'Angleterre. Ficou
a vê-la entrar. Sentia-se magoado por saber que ela desejava comprar um livro
na Dinamarca e não lhe pedira ajuda. Era óbvio que não o queria envolver no
assunto. Na verdade, depois do que sucedera na Torre Redonda, ela parecia nem
sequer querer falar com ele. Olhou para o relógio. Passava um pouco das
dezasseis e trinta. O leilão tinha início às dezoito horas e Roskilde ficava a
meia hora de automóvel. Não planeara estar presente, pois o catálogo que lhe
tinham enviado não continha nada de interessante. Mas isso já não era
importante. Stephanie estava a agir de modo estranho, até para ela, e uma voz
familiar na sua cabeça, voz essa que o mantivera vivo durante doze anos como
agente do governo, dizia-lhe que ela ainda ia precisar dele.
Abbaye
des Fontaines. Pirinéus Franceses. 17h00
O senescal ajoelhou-se ao lado da
cama para confortar o seu mestre moribundo. Rezara durante semanas para que
aquele momento não chegasse mas em breve, depois de ter dirigido sabiamente a
Ordem durante vinte e oito anos, o velho homem deitado na cama ganharia um merecido
lugar no céu junto dos seus antecessores. Infelizmente, para o senescal os tumultos
do mundo físico continuariam e ele temia esse panorama. A divisão era espaçosa
e as antigas paredes de pedra e madeira não exibiam quaisquer sinais da
passagem do tempo, apenas as vigas de pinho do tecto haviam escurecido. Uma
janela solitária, como um olho melancólico, deixava ver o exterior e emoldurava
a beleza de uma queda-d’água que contrastava com a robustez cinzenta da
montanha. A luz baça do crepúsculo começava a fazer crescer os cantos do
quarto. O senescal pegou na mão do mestre e reparou que esta estava fria e mole.
Está a ouvir-me, mestre?, perguntou em francês. As pálpebras cansadas
abriram-se. Ainda não morri, mas já não falta muito. Já ouvira outros que no
leito de morte haviam proferido afirmações semelhantes e sempre se interrogara
se o corpo simplesmente se exauria, deixando de ter forças para obrigar os pulmões
a respirar ou o coração a bater, a morte invadindo aos poucos os territórios da
vida. Apertou-lhe a mão com mais força. Irei sentir a sua falta. Os lábios
finos esboçaram um sorriso. Foste um bom aprendiz, tal como eu previra. Foi por
isso que te escolhi. Os dias vindouros trarão muitos conflitos. Estás
preparado. Tratei de tudo para que assim fosse. Ele era o senescal, o sucessor
do grão-mestre. A sua ascensão fora rápida, demasiado rápida para alguns, e
apenas a firme liderança do mestre abafara o descontentamento. Mas a morte em
breve viria reclamar o seu protector e ele temia que a revolta se instalasse
logo de seguida. Não há garantias que eu vos suceda. Subestimas as tuas
qualidades. Respeito o poder dos seus adversários.
O
silêncio encheu o quarto, permitindo que as cotovias e os melros se escutassem
do outro lado da janela. Olhou para o seu mestre. Vestia uma bata azul-celeste
salpicada de estrelas douradas. Apesar das linhas faciais parecerem mais
acentuadas com a proximidade da morte, exibia ainda algum fulgor. Do queixo
pendia-lhe uma barba longa, emaranhada e grisalha, as mãos e os pés estavam
retorcidos pela artrite, mas o brilho dos olhos não se tinha apagado. Sabia que
os vinte e oito anos de liderança tinham ensinado muita coisa ao agora cansado
cavaleiro-guerreiro. A lição mais importante de todas fora porventura a de
mostrar uma máscara de civilidade, mesmo perante a morte. O médico confirmara o
cancro há alguns meses. Tal como a Regra exigia, permitiu-se que a doença avançasse
ao seu ritmo, aceitando-se desse modo as consequências naturais da acção de
Deus. Ao longo dos séculos, milhares de irmãos tinham enfrentado o mesmo fim e
era impensável que o grão-mestre não seguisse a tradição». In Steve Berry, O
Legado dos Templários, 2006, Publicações dom Quixote, 2007, ISBN
978-972-203-808-9.
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