«(…) Uma
ideia desproporcional! Estragar assim a noite de um cristão... Acabaram-nos com
a festa! O Joubert é primo de um ministro do império e à Martine ninguém toca, que
Napoleão III não deixa. Por alguma razão ela fornece as melhores moças de Paris
e lhe arranja os disfarces para que Sua Excelência possa se encontrar com elas.
Mas enfim, ia ser uma grande chatice, ter de ficar ali até de manhã, à disposição
de um cabo de esquadra qualquer, querendo fazer perguntas a torto e a direito,
para mostrar serviço... E não ia servir para nada. Com o Joubert metido nisto,
nem sequer vai haver inquérito, já se sabe. Villeclaire sorriu discretamente e
entrou no Gascogne atrás de Pierre.
O jovem marquês
ainda sorria quando se juntou aos três outros amigos que, num gabinete privado,
já bebiam champanhe enquanto esperavam as famosas ostras. Laurent contava aos
outros as maravilhas de Andreja, a polaca loira com quem tinha estado nessa
noite na casa de Martine. Mas interrompeu-se quando viu Louis entrar: morre um
homem, estragam-me a noite com a bela Andreja e meu velho, entra aqui com essa
cara de felicidade?... Há que experimentar os dotes dessa Cléa se ela o deixa
assim! Engana-se, meu caro. Por uma vez, a minha felicidade nada tem a ver com
mulheres e nem sequer com champanhe. Simplesmente, esta noite, fiquei um pouco
mais rico... Ah, não! Louis, não vai aproveitar esta ocasião já um pouco fúnebre
para nos anunciar que a sua tia Clemence, finalmente, o convenceu a casar-se com
uma das enfadonhas herdeiras ricas que frequentam os seus chás literários... Não,
nada disso, meu querido Laurent! Quantas vezes lhes disse que não fui destinado
para o casamento? Sou um pássaro que precisa de liberdade...
E então?, quis
saber o príncipe de Montblanc. Vai-nos contar a origem desse dinheiro que fará
com que a sua escandalosamente enorme fortuna se torne ainda um pouco mais
escandalosamente enorme? Louis de Villeclaire esfregou as mãos saboreando a
curiosidade dos amigos. Acendeu um charuto e ficou vendo as ondas de fumo
desfazerem-se no ar. Um criado bateu à porta e pediu licença para entrar.
Trazia uma travessa onde brilhavam deliciosas ostras que inundaram a sala com o
seu cheiro de mar. Alphonse, mais champanhe! Muito gelado!, pediu Louis. Sentaram-se
à mesa, requintadamente coberta por uma toalha de linho branco com finos
bordados, e prepararam-se para provar aquela ceia servida em caríssimos pratos
de porcelana de Limoges e talheres de prata. Antoine Gascogne sabia como
agradar aos seus melhores e mais exclusivos clientes. Se não vai casar-se com
uma herdeira rica, conte-nos como ficou ainda mais rico, pediu, curioso, Gaston
Montblac.
Muito fácil, meus amigos! Que outra maneira existe de um
cavalheiro aumentar, do dia para a noite, a sua fortuna? Ganhei uma aposta! Que
aposta, Louis? Você mesmo nos contou que esteve em casa, lendo, durante todo o
dia. Depois, jantou connosco na casa do Bachelard e fomos juntos para a Martine...,
lembrou Laurent. A menos que, agora, faça apostas com o seu mordomo ou com o
seu cocheiro... E, por acaso, eu disse que tinha feito a aposta hoje?
Contei-lhes, apenas, que a tinha ganho hoje. Aliás, para ser exactamente
preciso, ganhei-a há menos de uma hora. Mas é uma aposta antiga. Louis riu. Enfim,
não muito antiga..., tem duas semanas ou coisa parecida. O marquês de
Villeclaire serviu-se de ostras e mostrou-se deliciado com o manjar que os
amigos tinham escolhido para a ceia. Mas, em volta da mesa, mais ninguém comia
e todos estavam suspensos do que Louis tinha para lhes contar. E como este
parecia mais interessado nos mariscos do que em satisfazer a curiosidade deles,
Marcel, o banqueiro, não se conteve: então, vai ou não nos dizer que aposta foi
essa? Devia, antes, perguntar-me de quem ganhei a aposta, Bachelard... De quem?,
perguntaram Pierre e Laurent em coro. Louis deu uma enorme gargalhada antes de
responder: do morto! De Duvernois? Como foi isso?, quis saber Gaston. Eu lhes
conto..., decidiu-se dizer, finalmente, Villeclaire. E contou aos amigos que,
duas semanas antes, depois de ter estado com eles no baile da condessa de
Balac, e quando já ia na sua carruagem a caminho de casa, não tendo sono,
decidiu dar ordem ao cocheiro para parar no meio dos Champs Elysées. De
repente, teve vontade de tentar a sorte na roleta, depois de uma noite com
muita sorte com madame Bousquet, a bela ruiva casada com um dos maiores
proprietários de Paris. Por isso, mandou o cocheiro parar e entrou no cassino Étoile».
In
Matilda Wright, Aposta Indecente, 2011, Editor Livros d’Hoje, Publicações dom
Quixote, 2011, ISBN 978-972-204-776-0.
Cortesia de
Ld’Hoje/JDACT