quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Conspiração no Vaticano. GL Barone. «Nunca o vi, confirmou o jovem sorrindo, enquanto verificava rapidamente o conteúdo do envelope. Quando teve a certeza de ter obtido aquilo que tinha pedido saiu do automóvel…»

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«(…) Acariciou satisfeito a barba e saiu da sala. Uma lufada de calor romano atingiu-o em pleno. Desceu a escadaria do palácio São Carlos, tão perto do pátio São Dâmaso que quase parecia ouvir os sussurros das personalidades à espera do comandante da Guarda Suíça para iniciar a cerimónia de juramento. Todos os anos, desde 1527, no dia 6 de Maio, os novos recrutas da Guarda Suíça prestam o seu juramento. Naquele ano, isso não aconteceu.
Janeiro, quatro meses antes da morte de Weistaler O automóvel tinha parado, sem desligar o motor, junto ao passeio da Piazza Castello. Nevava. Era 4 de Janeiro e Curt Weistaler estava sentado no banco à espera de que, da penumbra de umas arcadas, aparecesse uma figura humana. Tinha anoitecido há pouco tempo e a neve, que durante toda a tarde tinha poupado Turim, começava a depositar-se nas ruas e nos tectos das casas com maior insistência. A porta de trás do Audi abriu-se e entrou um jovem com cabelo ruivo. Estes são os códigos de acesso de hoje, declarou sem sequer cumprimentar. O rapaz mostrou a Weistaler um bocado de plástico preto, do tamanho de uma unha. Antes de estender a mão, aquele quer apenas dois meses depois, se tornaria o novo comandante da Guarda Suíça Pontifícia observou bem o jovem: tinha um impermeável azul, completamento gasto no pescoço e nos cotovelos, e o rosto tapado por um volumoso lenço cor de cereja. O cabelo era curto e os olhos azuis-claros sobressaíam por cima do lenço. Não tinha nada de interessante para oferecer.
Weistaler pega no cartão de memória micro SD, tendo o cuidado de não tocar na mão do rapaz, e enfiou-o no respectivo slot do seu fiel amigo Next M1, o smartphone do qual nunca se separava. Foram apenas necessários alguns segundos para obter a resposta de que estava à procura: o ecrã iluminou-se e apareceu automaticamente a imagem de uma pequena aplicação de verificação. Parecia tudo certo. Espera aqui!, ordenou num italiano com forte sotaque germânico. Saiu do automóvel para confirmar se ninguém tinha seguido o Vermelho e, quase escorregando na neve que tinha coberto o passeio, foi abrir o porta-bagagem do Audi. Retirou de lá um envelope de plástico, deu novamente a volta ao carro e sentou-se no banco do condutor. Sabes qual é a coisa mais importante?, perguntou ao jovem, observando-o do retrovisor. Imagino que seja a discrição, respondeu secamente o rapaz com cabelo ruivo.
Não era muito atraente, mas parecia esperto. Era funcionário num belo edifício que dava para a Piazza de San Giovanni. Sabia observar e memorizar, e aquilo que Weistaler viu nele tinha já sido pago com dois códigos alfanuméricos com dezasseis números cada um. Lembra-te de que sei onde te encontrar. Naquele momento, voltou-se e fitou-o olhos nos olhos. O rapaz não pareceu ficar nada intimidado e estendeu-lhe a mão. Weistaler, depois de uma fingida hesitação, colocou-lhe na mão o envelope que tinha retirado do porta-bagagem. Nunca o vi, confirmou o jovem sorrindo, enquanto verificava rapidamente o conteúdo do envelope. Quando teve a certeza de ter obtido aquilo que tinha pedido saiu do automóvel, com a mesma discrição de quando chegou, e desapareceu por debaixo das arcadas da Piazza de Castello. Weistaler ficou ainda entretido por alguns instantes com o telefone. Depois desligou-o e colocou-o no bolso do blusão. Engatou a mudança , e o Audi seguiu pela via Pietro Micca. A geometria das ruas de Turim lembrava-lhe um pouco as de Nova Iorque: todas as ruas formavam um quadriculado de verticais e horizontais, e as estradas que atravessavam a cidade em diagonal, como a Broadway da Grande Maçã, eram poucas. Uma delas era a via Micca. Percorreu-a toda, deslizando sobre a neve, depois virou em direcção à catedral». In GL Barone, Conspiração no Vaticano, 2013, Casa das Letras, 2013, ISBN 978-972-462-197-5.

Cortesia de CdasLetras/JDACT