sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Conspiração no Vaticano. GL Barone. «Os edifícios setecentistas da Piazza de San Carlo, com ricas fachadas cremes, repousavam sob a neve. A série interminável de janelas e sacadas…»

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«(…) Ao mesmo tempo que Curt Weistaler verificava o conteúdo do minúsculo cartão de memória pago a peso de ouro, Andreas Henkel estava sentado em frente do computador no seu quarto de hotel. Trabalhava há muitos anos para os Serviços Secretos do Vaticano, mais conhecidos como SSV. Era um homem pequeno, com uns óculos sem armação colados à frente de um olhar atento. Nascido em Praga há quarenta e cinco anos, tinha vivido quase toda a sua juventude na Alemanha Ocidental, onde o seu pai geria importantes negócios para o Governo checoslovaco. Apesar de ter crescido fora da cortina de ferro, havia sido educado segundo os princípios do partido e da ideologia marxista. Regressara à sua pátria quando era pouco mais do que um adolescente e em plena guerra fria, quando as condições políticas, do lado de fora do muro de Berlim, tinham mudado. Frequentara a universidade estatal na capital e, depois da licenciatura, como muitas vezes acontece às mentes brilhantes, mas sobretudo aos descendentes de boas famílias, foi-lhe oferecida a possibilidade de servir o seu país. Aceitou e o STB, o Serviço de Segurança checoslovaco, tornou-se a sua segunda família. Levantou-se da cadeira e foi até à janela para ver aquela que quase todos consideravam a mais bela praça de Turim.
Os edifícios setecentistas da Piazza de San Carlo, com ricas fachadas cremes, repousavam sob a neve. A série interminável de janelas e sacadas, soberbamente decoradas e alinhadas sem interrupção nos dois lados mais compridos, reflectia a estranha luz amarelada dos candeeiros. O silêncio era total e ele parecia observar um quadro representativo da enorme estátua equestre mesmo por baixo da sua janela. Apenas dois táxis, um atrás do outro, percorriam a praça em sentido longitudinal. A missão, em teoria, era simples, mas tinha a impressão de ter descurado algum pormenor. Os movimentos foram programados com grande precisão, e o próprio Weistaler, que dali a poucos minutos lhe enviaria um email codificado de confirmação, garantira-lhe que, se o plano fosse seguido ao pormenor, tudo correria bem.
Na realidade, Henkel não gostava de Weistaler. Embora o suíço fosse um homem inegavelmente elegante, com um aspecto bem cuidado, o que o preocupava era uma constante sensação de instabilidade que já tinha demonstrado de outras vezes: seria seguramente capaz de estrangular uma pessoa e, no momento seguinte, recolher em oração para pedir perdão a Deus. Era um homem que tinha uma visão distorcida da religião. E não só desta. Crescera entre luteranos e, apesar disso, confessava-se fiel à Santa Igreja Romana o que era, efectivamente, uma contradição. O monitor do computador saiu do estado de inactividade no qual tinha estado nos últimos minutos e mostrou um ícone saltitante que representava um selo preso entre as asas de uma águia. Um efeito sonoro pouco perceptível confirmou a recepção de uma nova mensagem de email codificada. Colocou os óculos que tinha deixado em cima do teclado do portátil e leu a mensagem: confirmado. Era exactamente aquilo que esperava. Vestiu o blusão e desceu até ao estacionamento». In GL Barone, Conspiração no Vaticano, 2013, Casa das Letras, 2013, ISBN 978-972-462-197-5.
                 
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