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«(…) Ao mesmo tempo que Curt Weistaler
verificava o conteúdo do minúsculo cartão de memória pago a peso de ouro, Andreas
Henkel estava sentado em frente do computador no seu quarto de hotel. Trabalhava
há muitos anos para os Serviços Secretos do Vaticano, mais conhecidos como SSV.
Era um homem pequeno, com uns óculos sem armação colados à frente de um olhar atento.
Nascido em Praga há quarenta e cinco anos, tinha vivido quase toda a sua juventude
na Alemanha Ocidental, onde o seu pai geria importantes negócios para o Governo
checoslovaco. Apesar de ter crescido fora da cortina de ferro, havia sido
educado segundo os princípios do partido e da ideologia marxista. Regressara à
sua pátria quando era pouco mais do que um adolescente e em plena guerra fria, quando
as condições políticas, do lado de fora do muro de Berlim, tinham mudado.
Frequentara a universidade estatal na capital e, depois da licenciatura, como muitas
vezes acontece às mentes brilhantes, mas sobretudo aos descendentes de boas famílias,
foi-lhe oferecida a possibilidade de servir o seu país. Aceitou e o STB, o
Serviço de Segurança checoslovaco, tornou-se a sua segunda família. Levantou-se
da cadeira e foi até à janela para ver aquela que quase todos consideravam a mais
bela praça de Turim.
Os edifícios setecentistas da Piazza
de San Carlo, com ricas fachadas cremes, repousavam sob a neve. A série interminável
de janelas e sacadas, soberbamente decoradas e alinhadas sem interrupção nos
dois lados mais compridos, reflectia a estranha luz amarelada dos candeeiros. O
silêncio era total e ele parecia observar um quadro representativo da enorme estátua
equestre mesmo por baixo da sua janela. Apenas dois táxis, um atrás do outro,
percorriam a praça em sentido longitudinal. A missão, em teoria, era simples, mas
tinha a impressão de ter descurado algum pormenor. Os movimentos foram programados
com grande precisão, e o próprio Weistaler, que dali a poucos minutos lhe enviaria
um email codificado de confirmação, garantira-lhe que, se o plano fosse seguido
ao pormenor, tudo correria bem.
Na realidade, Henkel não gostava
de Weistaler. Embora o suíço fosse um homem inegavelmente elegante, com um aspecto
bem cuidado, o que o preocupava era uma constante sensação de instabilidade que
já tinha demonstrado de outras vezes: seria seguramente capaz de estrangular
uma pessoa e, no momento seguinte, recolher em oração para pedir perdão a Deus.
Era um homem que tinha uma visão distorcida da religião. E não só desta. Crescera
entre luteranos e, apesar disso, confessava-se fiel à Santa Igreja Romana o que
era, efectivamente, uma contradição. O monitor do computador saiu do estado de inactividade
no qual tinha estado nos últimos minutos e mostrou um ícone saltitante que
representava um selo preso entre as asas de uma águia. Um efeito sonoro pouco
perceptível confirmou a recepção de uma nova mensagem de email codificada. Colocou
os óculos que tinha deixado em cima do teclado do portátil e leu a mensagem:
confirmado. Era exactamente aquilo que esperava. Vestiu o blusão e desceu até
ao estacionamento». In GL Barone, Conspiração no Vaticano, 2013, Casa das Letras, 2013,
ISBN 978-972-462-197-5.
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