«Todos
os anos, na manhã do dia 6 de Maio, os novos recrutas da Guarda Suíça prestam o
seu juramento solene perante as mais altas individualidades da Cidade do Vaticano
e da Confederação Helvética. Naquela tarde, Tobias Klessen deveria encontrar-se
no pátio de São Dâmaso, mesmo por detrás da praça de São Pedro. Ocuparia o terceiro
lugar na segunda fila, em sentido e de uniforme de gala. Já se andava a preparar
há uma eternidade para o juramento, que se efectuava com a mão esquerda apoiada
na bandeira da Guarda Suíça e a direita levantada com os três dedos abertos, símbolo
da Trindade. O seu avô e o seu pai tinham, há muitos anos, declamado aquelas
palavras solenes. Mas não estava. Às, onze em ponto, o jovem Klessen, em vez de
se encontrar com os outros recrutas a prestar eterna fidelidade ao Sumo Pontífice
e aos seus legítimos sucessores, estava de joelhos, com o rosto ensanguentado, em
frente do comandante da Guarda Suíça, o coronel Curt Weistaler. Estavam ambos imóveis,
ele com uma bala alojada um pouco acima do baço; o comandante, apesar da patente,
pelo medo.
Encontravam-se no segundo andar
de um palacete que dava para a praça de Santa Marta. Uma divisão despojada, decorada
com uma cómoda e uma simples cama de ferro forjado. Ao longe, ouviam-se os tambores
do cortejo entoar as marchas da cerimónia e os automóveis que circulavam ao longo
da via Aurélia. A pistola Sig-Sauer, calibre 9, propriedade do coronel,
disparou uma segunda e, depois, uma terceira vez. Ambas, abafadas pelo silenciador,
perfuraram o crânio do recruta, que caiu inanimado no chão. Era apenas um rapaz!,
protestou o coronel, virando-se para o homem que tinha acabado de premir o gatilho.
Ajeitou nervosamente a madeixa de cabelo louro e, depois, continuou: nem sequer
o conhecias! É o preço a pagar para que o glorioso nome do coronel Weistaler caia
na lama. Exactamente onde merece estar! O homem que empunhava a pistola apenas sussurrou.
Era um gigante com a barba por fazer e olhar carrancudo. Flavio, estás enganado.
A questão não acabou, poderia... O coronel não conseguiu terminar a frase. Já tenho
aquilo que queria. Obrigado. Não há mais nada que me possa oferecer, coronel. A
última palavra foi pronunciada com uma expressão de desprezo. Um laivo de raiva
atravessou o olhar do assassino. Foi fugaz, mas Weistaler percebeu-o de forma inequívoca.
Naquele momento, o belo coronel, como era apelidado, percebeu que o que quer
que tivesse dito não teria valido de nada. Flavio Osios nunca o pouparia. O
homem, do outro lado da divisão, sorriu. Muito lentamente, quase como se fosse um
ritual a seguir com precisão religiosa, aproximou-se do coronel que o observava
imóvel. Parou a poucos centímetros e apontou-lhe a arma à têmpora.
Weistaler não ofereceu nenhuma
resistência e fechou os olhos em sinal de resignação. O disparo foi pouco perceptível:
um silvo que durou muito menos de uma fracção de segundo. A bala perfurou o cérebro
do coronel que morreu de imediato. Osios, muito calmamente, arrastou o cadáver para
junto do recruta e colocou-lhe a pistola na mão direita. Demasiado fácil... O enésimo
escândalo de cariz sexual nas fileiras da Guarda Suíça. E, desta vez, envolvia o
expoente máximo. Parecia-lhe que já estava a ouvir as vozes dos exímios vaticanistas
nos serviços noticiosos: o autor do homicídio-suicídio terá sido o próprio coronel
Curt Weistaler, recém-chegado ao topo da guarda privada do papa. O comandante, de
quarenta e quatro anos, terá matado o recruta Klessen por motivos passionais e,
depois, ter-se-á suicidado». In GL Barone, Conspiração no Vaticano, 2013,
Casa das Letras, 2013, ISBN 978-972-462-197-5.
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