Cortesia
de wikipedia e jdact
«O
presente artigo tem como objectivo analisar o papel da política matrimonial no
processo de afirmação da dinastia de Avis. Fragilizada pela bastardia do novo
rei, pela permanência da guerra contra Castela e pelas divisões internas, entre
outros factores, a nova dinastia empreendeu um amplo movimento de legitimação,
e para esse o matrimónio do próprio monarca e dos descendentes régios foi de
suma importância. Observando as escolhas matrimoniais de João I busca-se notar
o processo de afirmação dinástica, compreendendo, em especial, como os
casamentos analisados se envolveram no quadro diplomático da nova dinastia
portuguesa». In Resumo
«Nos
últimos anos o quadro geral das nossas pesquisas tem sido o processo de
legitimação e afirmação da dinastia de Avis entre finais do século XIV e o
século XV. A partir dessa escolha de investigação a nossa atenção tem-se fixado
no papel da diplomacia nesse processo, visando tanto compreender a importância
das alianças externas e das relações diplomáticas para a o fortalecimento do
poder régio português como analisar a diplomacia como expressão do processo de
génese do Estado moderno em Portugal, notando a consolidação institucional e do
pessoal em torno das missões diplomáticas, por exemplo. Essa via de pesquisa
nos fez observar a centralidade das relações de parentesco em finais da Idade
Média, seja estruturando as relações sócio-políticas em torno da realeza, seja
através das redes de solidariedade dinásticas que articulavam a Cristandade numa
grande família de príncipes.
Nesse
quadro, as discussões que apresentaremos no presente artigo se inserem nos
problemas mais amplos que analisamos na dissertação O Infante D. Pedro e as Alianças Externas de Portugal (1425-1449)
defendida em 2012. Ao estudar a viagem do infante Pedro pudemos constatar
que para além da troca de embaixadas e da assinatura de tratados e outros
acordos, as relações diplomáticas do período se estruturavam em torno de
relações pessoais, solidariedades dinásticas, relações parentesco carnais e
artificiais que, inseridas em categorias cristãs, expressavam uma dinâmica
política por vezes despercebida em leituras modernizantes. Para compreender a
diplomacia quatrocentista e as relações diplomáticas do período mostrou-se
fundamental considerar uma lógica do parentesco que orientava as práticas
políticas e institucionais.
Dito isso,
entre outras acções significativas que contribuíram no processo de afirmação e
legitimação da dinastia de Avis, as quais têm sido pesquisadas no âmbito do Scriptorium, Laboratório de Estudos
Medievais e Ibéricos e sintetizam-se na noção de Discurso do Paço proposta
pela historiadora Vânia Fróes, escolhemos tratar do papel da política
matrimonial joanina nesse contexto. Nossas considerações concentram-se na
problematização dos casamentos do monarca, dos filhos bastardos e dos Ínclitos
Infantes, seguindo uma perspectiva diacrónica a fim de observar a variação da
política matrimonial ao longo do reinado de João I.
Ascensão dinástica e alianças
matrimoniais
Eleito
nas Cortes de Coimbra (1385), impulsionado pelo apoio citadino e enfrentando uma
dura guerra contra Castela, João I buscou na Inglaterra o aliado que pudesse oferecer
retornos militares, económicos e políticos. Após longos contactos, a assinatura
do Tratado de Windsor (1386) expressa claramente tais objectivos, porém se a
aliança inglesa era o caminho político-diplomático optado pela nova dinastia, a
aliança de sangue era premente (Coelho, 2008). Nesse quadro, na sequência do
tratado se desenvolveram os preparativos para o consórcio matrimonial entre
João I e dona Filipa de Lancaster, filha de John Gaunt. Este rumava para
Portugal a fim de iniciar uma investida contra Castela, reino que o nobre
inglês pleiteava. O encontro entre o duque e João I se deu em Novembro de 1386,
definindo-se nesse momento o referido matrimónio, assim como uma aliança entre
ambos. Mesmo sem as bulas papais de dispensa do rei português dos votos feitos
em virtude do mestrado de Avis, o casamento com dona Filipa foi concretizado em
Fevereiro de 1387 (Lopes, 1983).
Através
desta união João I teve a possibilidade de ilibar a sua linhagem, marcada pela bastardia.
Concebendo descendentes legítimos, nascidos da linhagem Lancaster, ramo da dinastia
real inglesa Plantageneta, criava bases para a manutenção dinástica,
possibilitada com herdeiros para assumir a coroa portuguesa. Reafirmava ainda
os vínculos políticos e econômicos com o reino inglês, aliado tão importante no
contexto de guerra peninsular e destino privilegiado do comércio externo
lusitano. Não obstante, a constituição do enlace entre Avis e Lancaster
ultrapassa as relações político-diplomáticas advindas do casamento,
contribuindo também para a circulação de pessoas, ideias e informações. A
partir de 1387, a Inglaterra passaria a ser um ponto de interlocução e apoio
político, de busca de novos matrimónios e local de paragem de viagens da
nobreza lusitana, mantendo-se como um polo do comércio externo. Logo após o
casamento régio os descendentes legítimos começaram a nascer. A primeira
chamou-se Branca e não ultrapassou o primeiro ano de vida, mas, em 1390,
veio ao mundo o pequeno varão baptizado de Afonso. Eis o tão esperado rebento
de dom João, o qual garantia a sucessão régia. Daí em diante nasceram mais seis
filhos, os quais viriam a contribuir para a afirmação da nova dinastia». In Douglas
Xavier M. Lima, A política matrimonial de D. João I, Um instrumento de
afirmação dinástica, Portugal, 1387-1430, Roda da Fortuna, Revista Eletrónica sobre Antiguidade e
Medievo, 2014, Volume 3, Número 2, ISSN 2014-7430.
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