segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

A política matrimonial de D. João I. Um instrumento de afirmação dinástica. Portugal, 1387-1430. Douglas Xavier M. Lima. «… o processo de afirmação dinástica, compreendendo, em especial, como os casamentos analisados se envolveram no quadro diplomático da nova dinastia portuguesa»

Cortesia de wikipedia e jdact

«O presente artigo tem como objectivo analisar o papel da política matrimonial no processo de afirmação da dinastia de Avis. Fragilizada pela bastardia do novo rei, pela permanência da guerra contra Castela e pelas divisões internas, entre outros factores, a nova dinastia empreendeu um amplo movimento de legitimação, e para esse o matrimónio do próprio monarca e dos descendentes régios foi de suma importância. Observando as escolhas matrimoniais de João I busca-se notar o processo de afirmação dinástica, compreendendo, em especial, como os casamentos analisados se envolveram no quadro diplomático da nova dinastia portuguesa». In Resumo

«Nos últimos anos o quadro geral das nossas pesquisas tem sido o processo de legitimação e afirmação da dinastia de Avis entre finais do século XIV e o século XV. A partir dessa escolha de investigação a nossa atenção tem-se fixado no papel da diplomacia nesse processo, visando tanto compreender a importância das alianças externas e das relações diplomáticas para a o fortalecimento do poder régio português como analisar a diplomacia como expressão do processo de génese do Estado moderno em Portugal, notando a consolidação institucional e do pessoal em torno das missões diplomáticas, por exemplo. Essa via de pesquisa nos fez observar a centralidade das relações de parentesco em finais da Idade Média, seja estruturando as relações sócio-políticas em torno da realeza, seja através das redes de solidariedade dinásticas que articulavam a Cristandade numa grande família de príncipes.
Nesse quadro, as discussões que apresentaremos no presente artigo se inserem nos problemas mais amplos que analisamos na dissertação O Infante D. Pedro e as Alianças Externas de Portugal (1425-1449) defendida em 2012. Ao estudar a viagem do infante Pedro pudemos constatar que para além da troca de embaixadas e da assinatura de tratados e outros acordos, as relações diplomáticas do período se estruturavam em torno de relações pessoais, solidariedades dinásticas, relações parentesco carnais e artificiais que, inseridas em categorias cristãs, expressavam uma dinâmica política por vezes despercebida em leituras modernizantes. Para compreender a diplomacia quatrocentista e as relações diplomáticas do período mostrou-se fundamental considerar uma lógica do parentesco que orientava as práticas políticas e institucionais.
Dito isso, entre outras acções significativas que contribuíram no processo de afirmação e legitimação da dinastia de Avis, as quais têm sido pesquisadas no âmbito do Scriptorium, Laboratório de Estudos Medievais e Ibéricos e sintetizam-se na noção de Discurso do Paço proposta pela historiadora Vânia Fróes, escolhemos tratar do papel da política matrimonial joanina nesse contexto. Nossas considerações concentram-se na problematização dos casamentos do monarca, dos filhos bastardos e dos Ínclitos Infantes, seguindo uma perspectiva diacrónica a fim de observar a variação da política matrimonial ao longo do reinado de João I.

Ascensão dinástica e alianças matrimoniais
Eleito nas Cortes de Coimbra (1385), impulsionado pelo apoio citadino e enfrentando uma dura guerra contra Castela, João I buscou na Inglaterra o aliado que pudesse oferecer retornos militares, económicos e políticos. Após longos contactos, a assinatura do Tratado de Windsor (1386) expressa claramente tais objectivos, porém se a aliança inglesa era o caminho político-diplomático optado pela nova dinastia, a aliança de sangue era premente (Coelho, 2008). Nesse quadro, na sequência do tratado se desenvolveram os preparativos para o consórcio matrimonial entre João I e dona Filipa de Lancaster, filha de John Gaunt. Este rumava para Portugal a fim de iniciar uma investida contra Castela, reino que o nobre inglês pleiteava. O encontro entre o duque e João I se deu em Novembro de 1386, definindo-se nesse momento o referido matrimónio, assim como uma aliança entre ambos. Mesmo sem as bulas papais de dispensa do rei português dos votos feitos em virtude do mestrado de Avis, o casamento com dona Filipa foi concretizado em Fevereiro de 1387 (Lopes, 1983).
Através desta união João I teve a possibilidade de ilibar a  sua linhagem, marcada pela bastardia. Concebendo descendentes legítimos, nascidos da linhagem Lancaster, ramo da dinastia real inglesa Plantageneta, criava bases para a manutenção dinástica, possibilitada com herdeiros para assumir a coroa portuguesa. Reafirmava ainda os vínculos políticos e econômicos com o reino inglês, aliado tão importante no contexto de guerra peninsular e destino privilegiado do comércio externo lusitano. Não obstante, a constituição do enlace entre Avis e Lancaster ultrapassa as relações político-diplomáticas advindas do casamento, contribuindo também para a circulação de pessoas, ideias e informações. A partir de 1387, a Inglaterra passaria a ser um ponto de interlocução e apoio político, de busca de novos matrimónios e local de paragem de viagens da nobreza lusitana, mantendo-se como um polo do comércio externo. Logo após o casamento régio os descendentes legítimos começaram a nascer. A primeira chamou-se Branca e não ultrapassou o primeiro ano de vida, mas, em 1390, veio ao mundo o pequeno varão baptizado de Afonso. Eis o tão esperado rebento de dom João, o qual garantia a sucessão régia. Daí em diante nasceram mais seis filhos, os quais viriam a contribuir para a afirmação da nova dinastia». In Douglas Xavier M. Lima, A política matrimonial de D. João I, Um instrumento de afirmação dinástica, Portugal, 1387-1430, Roda da Fortuna, Revista Eletrónica sobre Antiguidade e Medievo, 2014, Volume 3, Número 2, ISSN 2014-7430.

Cortesia de REsAeMedievo/Academia/JDACT