sábado, 7 de dezembro de 2019

Portugal Terra de Mistérios. Paulo Alexandre Loução. «Conta a estoria que, despois que se dom Egas Moniz foy pera Tolledo, que o principe se partyo de Guymarõaes e andou per toda sua terra e requereo todas suas fortellezas e açalmouas de guisa…»

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O Mistério da Cruz Templária
«(…) Na exposição que faremos de seguida, daremos relevo à procura da origem dos cinco escudetes em cruz e aos besantes em aspa que se encontram em cada um deles. Os castelos foram incluídos nas armas nacionais por Afonso III, devido a ser neto de Afonso VIII de Castela, que tinha por brasão precisamente um castelo. Este facto foi devidamente demonstrado por Menéndez-Pidal Navascués. Segundo as regras da heráldica, o conde de Bolonha, ao tornar-se rei de Portugal, devia abdicar dos castelos nas armas, mas não o fez. Segundo os heraldistas modernos, as cores do campo do escudo, prata, dos escudetes, azul, e dos besantes, prata, terão origem na ascendência capetiana (francesa) dos primeiros reis portugueses. O termo quina deriva da palavra latina que designava cinco, no plural neutro; e é citado pela primeira vez no século XV, numa das crónicas breves de Santa Cruz de Coimbra. Veremos mais adiante que o vocábulo besante, também ele tardio, significa moeda de ouro (ou de prata) bizantina.

Segundo uma tradição tardia e, portanto, não conclusiva, as cinco quinas teriam tido origem na célebre Batalha de Ourique, durante a qual teria acontecido a aparição de Jesus Cristo a Dom Afonso Henriques. Faremos uma breve síntese histórica da evolução documental relativa ao milagre de Ourique. Antes, porém, queremos deixar claro mais uma vez que a nossa postura filosófica de procura da verdade (buscamo-la, não a detemos) está naturalmente livre de quaisquer crenças religiosas ou de movimentos historiográficos de cariz político, o que não exclui o nosso respeito pelas convicções de cada indivíduo. Por essa razão, a par com a transmissão do nosso ponto de vista sobre o mito de Ourique e a origem das armas nacionais, procuraremos divulgar, de forma muito sintética, a evolução do mesmo até ao início do século XVII, com o objectivo de o leitor poder tirar as suas próprias conclusões, o que aliás é escopo de todos os nossos ensaios.
Vários documentos coevos (século XII) comprovam a existência da Batalha de Ourique e o seu forte impacto na época. Na Vida de S. Teotónio, redigida por um frade crúzio na segunda metade do século XII, podemos ler:

Da mesma maneira o fes el Rey quando com aiuda do mui alto Sñor e socorro do beauinturado apostolo Santiago, cuia solemnidade emtaõ era, no campo Dourique, desbaratou sinco Reis mouros, com infinita barbara multidaõ dalem, e daquem mar que comsigo confederada traziaõ, pera de todo o destruirem (...).

A batalha terá acontecido no dia 25 de Julho de 1139 (Dia de Santiago), precisamente no ano em que Afonso Henriques passa a designar-se como Rex nos documentos do reino, facto que está sumamente comprovado. Paralelamente a esta versão clerical, é natural que outra fonte narrativa contemporânea, A Gesta de D. Afonso Henriques, divulgasse a versão nobiliárquica. É, no entanto, plausível que Pedro Afonso, conde de Barcelos, tivesse recolhido dessa Gesta os elementos para narrar o episódio de Ourique na sua Crónica Geral de Espanha de 1344, que foi escrita dois séculos após o facto histórico. Vamos citar o episódio da célebre contenda, tendo por base a segunda redacção desta crónica, efectuada em 1400:

Como o principe dom Affomso foy feito rey e venceeo a batalha d'Ourique:
Conta a estoria que, despois que se dom Egas Moniz foy pera Tolledo, que o principe se partyo de Guymarõaes e andou per toda sua terra e requereo todas suas fortellezas e açalmouas de guisa que nuca lhe acontecesse outro tal desavisamento. E, despois que todo esto ouve feito, ajuntou todas suas gentes e foy sobre os mouros e correolhes a terra toda des Coimbra ataa Santaretn e desy passou o Tejo e correo toda a terra ataa campo d’Ourique, honde achou el rey Ismar que a essa razõ era rey da Estremadura cõ cinquo reys que o viinhã buscar, sabendo o grande dãpno que lhes fazia em sua terra. E entrou com elles em batalha no logar que he dito Crasto Verde e venceos e matou e prendeo a mayor parte de todas suas gentes».
[…]
In Paulo Alexandre Loução, Portugal Terra de Mistérios, Edição Ésquilo, 2001, ISBN 972-860-504-8.

Cortesia de EÉsquilo/JDACT