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de wikipedia e jdact
As
Lágrimas do Papa
Os
Três Rolos
«(…)
Ao chegarem ao pavilhão de Filipe, Ricardo abriu violentamente as abas de tecido,
apesar das injunções dos cavaleiros Benoit e Henri, enfurecidos por perturbarem
o sono do mestre. Filipe jazia no leito, lívido, tez cerosa, olho direito
oculto por uma bandagem, cabelos ralos, suando em bicas, arquejante,
espavorido. A cena dessa degradação emocionou Ricardo, que se aproximou sem nem
mesmo notar o abade, sentado na obscuridade com o livro de orações no colo. Minha
bênção, Filipe!, proferiu Ricardo. Vejo que está nas mãos de charlatães que não
curariam nem a sarna de um cão piolhento! A voz baixa, apagada e rouca do
doente mal chegava aos ouvidos de Coração de Leão, que precisou se inclinar
para compreender todas as palavras. É porque eu não tenho sarna, Ricardo. Sem
dúvida, algum terrível veneno corre nas minhas
veias...
O Plantageneta se
inclinou ainda mais e examinou a pele descarnada do moribundo. Você está com a
mente embaralhada, meu primo. Quem teria interesse em conduzi-lo à morte? Quando
dois reis combatem juntos, sempre há um a mais. Talvez o Destino seja o único
responsável pelo meu estado, desejando que você seja o único a continuar a
nossa busca e a chegar ao Santo Sepulcro. Renaud interveio: como vê, Sire
Ricardo, Sua Majestade prefere voltar para as suas terras o mais cedo possível.
O inglês pareceu reflectir por um instante. Olhou os despojos deploráveis do doente,
que tinha o rosto sacudido por espasmos dolorosos e as mãos trémulas. Uma
carcaça emagrecida com um acre odor de suor, urina e outros humores que o calor
da tenda tornava insuportáveis.
Filipe ergueu a mão
febril, pôs o indicador no peito do soberano, gigante e maciço. Em seguida,
sussurrou: vá, Ricardo... Leve seu coração de leão até Jerusalém. Controlando a
repugnância, o inglês se obrigou a pôr a mão amigável na testa ardente do
doente e respondeu: que seja. Ao beijar o solo, terei um pensamento afectuoso
para você. Rezarei para o seu restabelecimento. E porei tanto ardor nas minhas
súplicas que, aposto, em pouco tempo estará novamente de pé. Tenho a certeza,
balbuciou Filipe. Agora, tenha a bondade de me deixar a sós com o cavaleiro
Renaud. O senhor também, abade, saia um instante... O eclesiástico saiu da
banqueta e, continuando a murmurar alguma litania em latim, retirou-se deixando
o rei Ricardo sair na frente. Este lançou um olhar distraído aos dois fiéis
amigos de Filipe, os cavaleiros Benoit e Henri, que mal o saudaram, preocupados
que estavam com a doença de seu mestre. Com um terrível esforço, Filipe tentou
sentar-se no leito. Renaud acorreu para ajudá-lo e lhe ajeitar as costas com
uma almofada.
A minha doença não
está ligada ao que fizemos na Torre maldita?, perguntou o rei. Não violaámos um
santuário? O templário tranquilizou-o: fui eu quem pegou os rolos e não sofri
nenhum sortilégio! Repito, Sire, fostes atingido por uma forte e maldita doença
do suor, que o vosso organismo fragilizado pela tristeza não pôde evitar.
Certamente, precisareis de tempo para recuperar vossas forças, mas o tratamento
que administro poderá vencer essa febre. Enquanto isso, Ricardo vai colher os
louros da tomada de Jerusalém. A Cidade Santa não passa de um odre vazio. Eu já
disse, Sire, vamos deixar Ricardo com os seus sonhos de conquista e de
hegemonia. Vamos deixá-lo atolar na areia. Enquanto ele permanecer aqui, não
ficará de olho no vosso reino. O que há de tão importante nos pergaminhos que
viemos buscar? Sabereis
em breve. Os Templários entregarão os rolos a dois escribas, Agnano e Nicolau
de Pádua, da abadia de Orbigny, clérigos que saberão traduzi-los para o latim.
São dois homens sábios, embora sejam pervertidos e sodomitas. Dizem-se irmãos,
mas não passam de homossexuais. Filipe foi tomado por um súbito acesso de
tosse. Renaud imediatamente lhe serviu uma taça de água com mel diluído. Assim
que deu um gole, o monarca recomeçou a tossir ainda mais forte, o peito
entrecortado por convulsões violentas. Um jacto de sangue acre e negro jorrou
da sua boca e manchou a túnica branca do templário.
O rei se dobrou, com uma espuma
avermelhada nas comissuras dos lábios e os olhos revirados. Henri! Benoit!
Ajudem, rápido!, gritou o templário. Imediatamente, os dois cavaleiros correram
para o interior da tenda. Ao verem o estado de Filipe, ambos soltaram gritos e
blasfêmias. Renaud havia deitado novamente o doente e limpava os lábios dele
com um pano húmido. Se eu devo morrer, articulou o rei, com dificuldade, que
seja na França..., ao lado do meu filho. Vamos apressar a partida! Não
morrereis, respondeu Renaud. Vossa hora ainda não chegou. Não morrereis, meu
irmão! Os cavaleiros Henri e Benoit se interrogaram com o olhar. Haviam
escutado muito bem: o templário chamara o rei de irmão!
O
Duplo Assassinato
De volta à França, a saúde do rei
Filipe se estabilizou e, depois de algumas semanas, uma melhora notável tranquilizou
as pessoas mais próximas. Os cavaleiros Henri e Benoit andavam de um lado para
o outro em frente à porta do quarto do doente, incansáveis, controlando com
dificuldade a impaciência e manifestando um mau humor que, na realidade, não era
mais do que preocupação. Faz mais de um mês que Filipe não sai do quarto,
reclamou um deles. O templário Renaud o obrigou a aceitar um médico que lhe
administra drogas desconhecidas e remédios misteriosos, prometendo uma panaceia
mágica, destacou o outro». In Didier
Convard, O Triângulo Secreto, As Lágrimas do Papa, Editora Bertrand Brasil,
2012, ISBN 978-852-861-550-0.
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