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É evidente que a princesa não pode montar hoje, decidiu o duque de Buckingham.
Como vos disse. Ela tem de ir na liteira. Henrique encolheu os ombros. Bem, não
sabia. Ninguém me disse o que iríeis vestir. Então posso ir à frente? Os meus cavalos serão muito mais rápidos do
que as mulas. Podeis ir à frente, mas não
desaparecer de vista, decidiu Catarina. Já que devíeis escoltar-me, deveis
estar comigo. Tal como eu disse, observou o duque de Buckingham tranquilamente,
trocando um pequeno sorriso com a princesa. Esperarei em todos os cruzamentos,
prometeu Henrique. Vou escoltar-vos, não vos esqueçais. E no dia do vosso
casamento, irei escoltar-vos novamente. Tenho um fato branco com costuras
douradas. Que bonito que ides estar, disse ela, vendo-corar e prazer. Oh, não
sei... Tenho a certeza de que todos repararão no belo rapaz que sois, elogiou
ela, enquanto ele parecia satisfeito. Todos gritam sempre mais alto por mim,
confidenciou. E agrada-me saber que as pessoas gostam de mim. O Pai diz que a
única forma de manter um trono é ser amado pelo povo. Foi o erro do rei
Ricardo, diz o Pai. A minha mãe diz que a única forma de mantermos o trono é
fazermos a obra de Deus. Oh, suspirou ele, claramente pouco impressionado. Bem,
países diferentes, calculo. Devemos, então, viajar juntos, disse ela. Vou dizer
aos que me acompanham que estamos prontos para prosseguir. Eu digo-lhes,
insistiu ele. Sou eu quem vos escolta. Eu darei as ordens e vós deveis descansar
na liteira, lançou-lhe um olhar rápido de soslaio. Quando chegarmos a Lambeth,
devereis permanecer na vossa liteira, até eu vos chamar. Eu abrirei as cortinas
e levar-vos-ei para dentro, e vós devereis segurar a minha mão. Gostaria muito,
garantiu-lhe e voltou a ver o seu rosto enrubescer. Voltou-se bruscamente e o duque
fez-lhe uma vénia, sorrindo.
É um rapaz muito inteligente, muito impaciente, afirmou. Tendes de perdoar
o seu entusiasmo. Foi muito mimado. É o preferido da mãe?,
perguntou ela, pensando na adoração que a sua própria mãe sentia pelo único
filho. Pior ainda, respondeu o duque com um sorriso. A mãe adora-o de forma
adequada; mas é o menino absoluto dos olhos da avó, e é ela quem manda na
corte. Felizmente é um bom rapaz e tem bons modos. Tem uma natureza demasiado
boa para se deixar estragar com mimos e a mãe do rei equilibra os seus favores
com reprimendas. É uma mulher indulgente?, perguntou ela. Ele deu uma risada.
Só com o filho, afirmou. Os restantes consideram-na mais majestática do que
mãe. Podemos voltar a falar em Lambeth?, pediu Catarina, tentada a saber mais
sobre esta família de que iria fazer parte. Em Lambeth e Londres, terei todo o orgulho
em servir-vos, disse o jovem, com os olhos calorosos de admiração. Tendes de me
dar as ordens que entenderdes. Serei vosso amigo na Inglaterra, podeis contar
comigo.
Tenho de ter coragem,
sou filha de uma mulher audaz e preparei-me para isto toda a vida. Quando o
jovem duque falou comigo, daquela forma tão simpática, não deveria ter
sentido vontade de chorar, foi um disparate. Tenho de me controlar e sorrir. A
minha mãe disse-me que, se eu sorrir, ninguém saberá que sinto saudades de casa
ou medo, vou sorrir e sorrir, por muito adversa que a situação pareça. E
apesar de esta Inglaterra agora me parecer estranha, habituar-me-ei. Aprenderei
os seus costumes e sentir-me-ei em casa aqui. Os seus modos diferentes
tornar-se-ão os meus modos, e as piores coisas, as que não suporto mesmo, mudá-las-ei,
quando for rainha. E de qualquer modo, será melhor para mim do que foi para
Isabel, a minha irmã. Só esteve casada alguns meses e, depois, teve de voltar
para casa, viúva. Será melhor para mim do que para Maria, que teve de seguir
Isabel para Portugal, melhor para mim do que para Joana, que está doente de
amor pelo marido, Filipe. Terá de ser melhor para mim do que foi para João, o
meu pobre irmão, que morreu tão cedo após encontrar a felicidade. E será sempre
melhor para mim do que para a minha mãe, cuja infância foi passada no fio da
navalha.
É evidente que a minha história não será como a
dela. Eu nasci numa época muito menos emocionante. Espero entender-me com o meu
marido Artur e com o seu estranho e estridente pai, e com o seu pequeno irmão, doce
e fanfarrão. Esperarei que a sua mãe e avó me amem ou pelo menos, me ensinem
como ser uma Princesa de Gales ou uma Rainha de Inglaterra. Não terei de
cavalgar em ataques desesperados durante a noite, de uma fortaleza cercada para
outra, como a minha mãe. Não terei de empenhar as minhas próprias jóias para
pagar a soldados mercenários, como ela. Não terei de partir a cavalo de
armadura para unir as minhas tropas. Não serei ameaçada pelos cruéis
Franceses, de um lado, e pelos hereges Mouros, por outro, como
a minha mãe. Casarei com Artur, e quando o pai dele morrer, que deverá
acontecer breve, porque ele é tão velho e tão mal-humorado, seremos Rei e
Rainha da Inglaterra e a minha mãe reinará na Espanha, enquanto eu reino na
Inglaterra e ver-me-á manter a Inglaterra na aliança com a Espanha, como lhe
prometi vai ter-me a manter o meu país num tratado inquebrável com o seu vera
que estarei em segurança para sempre». In Philippa Gregory,
Catarina de Aragão, A Princesa Determinada, Livraria Civilização Editora, 2006,
ISBN 978-972-262-455-8.
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