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Como
o Vaticano Vendeu a Alma
«Descendo
as escadas do avião que o levava até Roma, Ettori Gotti Tedeschi, o presidente
do IOR, número um do banco do Papa, próximo da Opus Dei, parou por um momento e
virou-se. Inclinou o rosto, levantou o queixo e olhou-me, com os lábios num
trejeito de confiança. As suas palavras eram quase imperceptíveis. Vês?, sussurrou,
para que os outros não ouvissem, no Vaticano acreditamos de tal forma na
transparência que, introduzindo o crime de lavagem de dinheiro, reestruturámos também
as antigas celas em desuso debaixo da esquadra. Assim, se alguém for preso,
temos também o lugar onde mantê-lo. Gotti fitou-me, satisfeito, convencido de me
ter dado um argumento invencível. Na verdade, não se apercebeu de que tinha revelado
uma enorme ingenuidade. No Vaticano não há, efectivamente, uma prisão. No caso de
capturado e preso, a Polícia deve deter o sujeito, identificá-lo, conduzir a primeira
investigação e, em seguida, entregá-lo à Polícia italiana, como previsto nos
acordos internacionais. A ideia de reestruturar celas em desuso responde,
então, a uma lógica precisa: para crimes económicos odiosos, como a lavagem de dinheiro,
parece ser vontade do Vaticano criar condições para manter o suspeito detido, em
detrimento de entregá-lo à Justiça italiana. Jamais, poderia assustar alguém com
intenções menos próprias, um acusado de lavagem de dinheiro no impenetrável IOR
deve confrontar-se com as mil perguntas dos juízes italianos, sempre demasiado
curiosos.
Na verdade, ambos errávamos. Depois
de algumas semanas, àquelas celas não foi parar nenhum lavador de dinheiro
mas sim um dos poucos membros da família papal: o mordomo do Papa, Paolo
Gabriele, de 43 anos, cristão e católico, cadastro 1impo. Desde 2006 que Gabriel
é a sombra do Papa, atento a cada necessidade, cada suspiro, cada desejo. De manhã
à noite, segue-o em todas as deslocações para lhe oferecer ajuda nas actividades
diárias: Gabriele serve à mesa, acompanha Bento XVI nas suas viagens pelo
mundo, fica no papamóvel, sempre disponível. Foi preso sob a acusação de me passar
os documentos inéditos e explosivos que irão encontrar neste livro. Sobre isto não
posso dizer nada, obviamente, pela tutela absoluta que o código deontológico dos
jornalistas impõe sobre as fontes que contribuem para a investigação e inquérito.
Não posso sequer negar que é ele. Se o fizesse, contribuiria na identificação das
muitas pessoas que me ajudaram a saber o que está a acontecer para lá da colunata
de São Pedro. Não esperava, contudo, que o Vaticano chegasse a prender alguém por
suspeita de passar informações aos jornalistas. O Vaticano, de facto, não é um Estado
qualquer. No Vaticano não se prende ninguém porque, na pequena comunidade que vive
neste microscópico Estado de 44 km2, não se cometem crimes. O que é verdade ou não,
pouco importa: importe que, ali, as celas são desnecessárias e, caso suceda o
contrário, pode sempre recorrer-se ao sistema de justiça italiano, a quem
confiamos os criminosos. Isto, pelo menos, até recentemente, uma vez que nem sequer
existiam as celas para a detenção.
Às
únicas excepções são os pequenos roubos nos museus e, no caso de excêntricos, os
arruaceiros que procuram a atenção da Comunicação Sociai, aproveitando os holofotes
sempre ligados na Praça de S. Pedro para protestos de todos os tipos. Em casos
especiais, activa-se a máquina de segurança para evitar qualquer contacto com o
Papa, após o que o director dos serviços de segurança, Domenico Giani, elabora
um relatório, que é entregue ao secretário do Papa. Exemplo disso deu-se há alguns
meses, a 25 de Outubro de 2011, quando, durante a celebração eucarística presidida
pelo Papa Bento XVI, no pátio da Praça de S. Pedro, um estranho escalou os andaimes
por trás da colunata direita ao lado da loja da Dante, ameaçando matar-se.
É um caso bastante específico». In Gianluigi Nuzzi, Sua Santidade, As Cartas
Secretas de Bento XVI, Como o Vaticano Vendeu a Alma, 2012,
Bertrand Editora, 2012, ISBN 978-972-252-521-3.
Cortesia de BertrandE/JDACT