sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Monacato Feminino e Domínio Rural. O Património do Mosteiro de Santa Maria de Almoster no século XIV. José Manuel H Varandas. «O processo de criação de um mosteiro cisterciense desenvolve-se de forma extremamente complexa»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Mas, importa sublinhá-lo, as nossas fontes assentam essencialmente no espólio do cartório de Almoster. Esta especificidade que, ainda por cima, incide num processo conjuntural de grande crise a nível geral, correspondente a uma época de grande convulsão e de decadência dos padrões tradicionais do modelo medieval, faz com que a nossa visão corra o risco de se tornar unilateral, face à complexidade da sociedade portuguesa dos finais da Idade Média.

A FUNDAÇÃO DE SANTA MARIA DE ALMOSTER
A Ordem
O processo de criação de um mosteiro cisterciense desenvolve-se de forma extremamente complexa. Embora o convento de Almoster seja de constituição tardia, e na sua composição inicial possamos encontrar alterações às regras iniciais, não podia deixar de cumprir algumas disposições fundamentais que, a não serem seguidas, podiam impedir que os agentes fundadores recebessem a autorização necessária. A Ordem de Cister, fundada em 1098, assentava a sua existência e a sua força na conjunção de dois factores: uma forte autonomia e uma ainda mais poderosa centralização. Pedro Gomes Barbosa refere a existência de uma teia de ligações entre todas as casas de monges bernardos que acabavam por entroncar na primitiva casa, onde tudo se tinha iniciado: Cister.
Tal estrutura obrigava a que todos os abades se deslocassem aos Capítulos Gerais da Ordem, local onde eram apresentados e resolvidos casos específicos de cada uma das abadias espalhadas por toda a Europa, e de onde saíam as linhas orientadoras para toda a comunidade cisterciense. Ali se firmavam a força e a independência desta Ordem, expressas através de uma feroz disciplina regrante, que conferia aos abades com responsabilidade regional o direito e o poder de fiscalização sobre outros mosteiros (de criação mais recente que deles dependessem), controlando localmente a vida cenobítica dessas novas casas. Nenhuma nova fundação podia ser sancionada apenas pelo responsável regional. Qualquer nova casa que se pretendesse criar, ou mesmo a filiação de mosteiros já existentes, que seguiam outras regras, não se podia fazer sem o consentimento do Capítulo Geral. Só nesse espaço privilegiado, em reunião periódica das elites da Ordem, poderia ser dada autorização para o aparecimento de novas instituições.
A fundação de uma abadia cisterciense não era algo passível de ser constituído somente a partir de uma forte inspiração do sagrado que, momentaneamente, surgia numa dada região. Cister, embora contaminada e envolvida pelo processo da Reconquista e da luta contra o infiel, não embarca em aventuras de resultado final duvidoso. O Capítulo Geral da Ordem impunha que qualquer fundação reunisse um conjunto mínimo de condições:

Um conjunto de terras doadas que possibilitassem a manutenção e subsistência de um número mínimo de monges;
Condições específicas de habitabilidade que incluíam proximidade de linhas de água, de acesso a vias de escoamento e um isolamento (razoável) em relação a comunidades profanas;
Existência de condições locais que possibilitassem a continuidade, no futuro, do número de irmãos.

Tais eram as condições que os abades inquiridores procuravam levantar no local. Após o relatório apresentado cabia ao Capítulo Geral tomar a decisão final. O outro aspecto relevante desta Ordem monástica que tanto sucesso alcançou na Europa cristã ao longo dos séculos XII e XIII relaciona-se com a autonomia que cada mosteiro tinha. Esta autonomia verifica-se sobretudo numa forte capacidade de organização e auto-gestão económica. Cada comunidade geria os seus próprios bens, procurando aumentá-los constantemente através de fenómenos de aquisição específicos, como compras ou doacções. Esta intencionalidade investidora, no plano económico, era suportada
por um modelo de gestão centralizador. Cada comunidade procurava constantemente expandir o seu património, mas não de forma anárquica». In José Manuel H Varandas, Monacato Feminino e Domínio Rural, O Património do Mosteiro de Santa Maria de Almoster no século XIV, 1995, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Wikipédia.

Cortesia de FLetras/ULisboa/JDACT