Cortesia
de wikipedia e jdact
A
menina de pés descalços, o sinete de cera vermelha. 1626
«(…) Era exactamente o que
François sentia mas, nem por um momento, pensou em dissimular: é verdade,
senhora. Vedes algum inconveniente? Talvez. Dizei-me, primeiro, por que
pretendeis lá ir. Será por causa daquela rapariga? Ontem reparei que ela vos
tinha sorrido e que lhe havíeis respondido. Já vos encontrastes com ela? Nunca.
Foi por isso que tive vontade de voltar a vê-la. Não achais que ela é bem
bonita? Decerto, decerto, mas vós sois muito novo para vos interessardes pelas
raparigas. Ademais não tenho a certeza de que sereis bem acolhido por lá. Os
Séguier não são nossos amigos. Contudo, não compareceram ontem à missa? Tratava-se
de prestar homenagem ao defunto rei, vosso antepassado. Além disso, as terras
deles dependem do nosso principado de Anet: isso acarreta obrigações, mas não
significa que esses novos nobres estejam dispostos a jurar-nos fidelidade.
Aliás, o vosso pai não o desejaria: como muitos desses senhores do Parlamento,
os Séguier pretendem-se próximos do senhor Cardeal e proclamam bem alto quanto
se sentem ligados ao rei Luís. E nós? Não nos encontramos ligados ao Rei? Trata-se
do Rei. Devemos-lhe amor e obediência. O mesmo não poderá esperar o bispo de
Luçon. Satisfazei-me, François, e tratai de esquecer que uma rapariguinha vos
sorriu... A criança inclinou a cabeça.
Esforçar-me-ei pelo amor que vos
dedico, senhora, murmurou, sem conseguir suster um enorme suspiro que trouxe um
sorriso ao rosto um pouco severo da duquesa. François, gosto da vossa franqueza
e obediência. Vinde abraçar-me! Era um raro favor, desde que o jovem tinha sido
confiado às mãos dos homens. Apreciou o seu devido valor e ficou um pouco consolado
pelo sacrifício que fizera, mas quando alguém se passeia pelo nosso espírito é
difícil expulsá-lo de lá. Sob os tectos dourados do hotel Vendôme, em Paris,
François não conseguiu esquecer-se de Louise e quando a duquesa, as suas crianças
e todo o casario foram, no fim de Maio, apanhar os ares do estio nas margens do
Eure, fugindo dos maus cheiros parisienses, o apaixonado de dez anos não pôde
impedir-se de sentir uma alegria inabitual. Com um pouco de sorte ia poder
voltar a vê-la!
Contudo, se pensava que o seu
segredo estava escondido entre ele e a mãe, François enganava-se. A sua irmã
Elisabeth, dois anos mais velha que ele, apercebera-se de algo. Bruscos devaneios,
rubores fugazes, eram manifestações até aí desconhecidas num rapaz turbulento, irrequieto,
apaixonado por cavalos, por armas, independente e dotado de uma vitalidade que
as governantas e os preceptores consideravam unanimemente desgastante tudo isso
dera-lhe muito que pensar durante os meses de Inverno. Porém, guardara para si
as suas impressões e foi apenas ao descer da carruagem no pátio principal do
castelo que, deixando o irmão mais velho, Louis de Mercceur (na alta nobreza, o
filho mais velho tem sempre um nome diferente até à morte do pai; Fronsac para
os Richelieu, Crussol para os Uzès, Mercoeur para os Vendôme, etc.), de catorze
anos, acompanhar a mãe até ao interior, ela puxou François à parte, pretextando
ir ao encontro dos cisnes nas pequenas lagoas do jardim. Na realidade foram dar
um passeio ao longo do canal de carpas. Em silêncio, de começo, o que o rapaz
não suportou muito tempo. Se tens algo a dizer-me, di-lo já!, resmungou,
empregando a fórmula da segunda pessoa do singular, da qual se serviam quando
estavam a sós. Terei feito alguma asneira? Não, mas tens muita vontade de fazer
uma. Senti-o há pouco, quando Mme. de Bure falou das damas de Sorel. A nossa
mãe mandou-a logo calar-se, mas tu ficaste todo corado e exalaste um suspiro
capaz de voltar uma carruagem. Estás a morrer para voltar a ver essa Louise, não
estás?
As
duas crianças, unidas por uma profunda ternura e por uma confiança total,
sempre se entendiam às mil maravilhas, enquanto, que tinham relações muito mais
distantes, até protocolares, com o irmão mais velho, Luis XV, ele era o
herdeiro, por isso respeitavam-no, mas não gostavam nada dele. François nem
sequer tentou negar. É verdade, mas fiz uma promessa à mãe. E lamentas? François
desviou a cabeça, baixou-se, e pegou numa pedra que atirou, com um gesto vivo e
seguro, fazendo-a ricochetear, por três vezes, na superfície lisa do canal. Por
fim fungou e, sabendo que Elisabeth não se satisfaria com uma meia resposta,
disse: hum..., sim!... Enquanto estivemos em Paris era fácil. Aqui é outra
coisa. Já estava à espera disso. Que vais fazer? Fazes perguntas estúpidas,
irmã: não se volta atrás com a palavra dada! Continuo de acordo. Só que..., eu
não prometi nada». In Juliette Benzoni, O Quarto da Rainha, Segredo de Estado, 1997,
Bertrand Editora, 2000, 2009, ISBN 972-251-097-5, ISBN 978-972-251-821-5.
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