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e wikipedia
Da
Colónia ao Império
Querida Serpente
«(…) E mais: que todos os
sintomas observados poderiam ser explicados em termos de patologia. De doença. Entre
as causas externas do desejo erótico estariam o ar e os alimentos. E entre as internas,
a falta de repouso e de sono. Em 1540,
em Portugal, João Barros dizia que a paixão física abreviava a vida do homem.
Incapazes de conter nutrientes, os membros enfraqueciam-se, minguando ou
secando. Muitos males decorreriam daí, entre eles a ciática, as dores de
cabeça, os problemas de estômago ou dos olhos. A relação sexual, por sua vez, emburrecia,
além de abreviar a vida. E ele concluía: só os castos vivem muito.
E como combater tal problema? Os
remédios poderiam ser dietéticos, cirúrgicos ou farmacêuticos. Ao regime de
viver, que se esperava fosse tranquilo, somavam-se sangrias nas veias de braços
e pernas. E, ainda, remédios frios e húmidos, como caldos de alface, grãos de
cânfora e cicuta, que deviam ser regularmente ingeridos. Contra o calor do
desejo sexual, tomavam-se sopas e infusões frias, recomendando-se, também,
massajar os rins, pénis e períneo com um unguento refrigerador feito de ervas.
Comer muito era sinal de perigo. Os chamados manjares suculentos eram coisa a
evitar. Além disso, recomendava-se Dormir, só de lado, nunca de costas, porque
a concentração de calor na região lombar desenvolve excitabilidade aos órgãos
sexuais.
O
Obscuro objecto de desejo
Cobrindo totalmente o corpo da
mulher, a Reforma Católica acentuou o pudor, afastando-a de seu próprio corpo.
Eis por que dirigir o olhar ao sexo feminino prenunciava um carácter debochado,
bem representado nos poemas de Gregório Matos, que, ao despir a mulher,
encontrava seu co…, o cricalhão, a fechadura ou Vénus. Os pregadores barrocos
preferiam
descrevê-lo como a porta do
inferno e entrada do Diabo, pela qual os luxuriosos gulosos de seus mais
ardentes e libidinosos desejos descem ao inferno. A vagina só podia ser
reconhecida como órgão de reprodução, como espaço sagrado dos tesouros da
natureza relativos à maternidade. Nada de prazer. As pessoas consideradas decentes
costumavam se depilar ou raspar as partes pudendas para destituí-las de
qualquer valor erótico. Frisar, pentear ou cachear os pelos púbicos eram apanágios
das prostitutas. Tal lugar geográfico só podia estar associado a uma coisa: à
procriação. Em 1559, outro
Colombo, não Cristovão, mas Renaldus, descobria outra América. Ou melhor, outro
continente: o amor Veneris dulcedo
appeletur ou clitóris feminino. Como Adão, ele reclamou o direito de
nomear o que tivera o privilégio de ver pela primeira vez e que era, segundo
sua descrição, a fonte do prazer feminino. A descoberta, digerida com discrição
nos meios científicos, não mudou a percepção que existia, há milénios, sobre a
menoridade física da mulher. O clitóris não passava de um pénis miniaturado,
capaz, tão somente, de uma curta ejaculação. A sua existência apenas endossava
a tese, comum entre médicos, de que as mulheres tinham as mesmas partes
genitais que os homens, porém, segundo Nemésius, bispo de Emésia no século IV elas as possuíam no interior
do corpo e não no exterior. Galeno, que, no século II de nossa era, esforçara-se por elaborar a mais
poderosa doutrina de identidade dos órgãos de reprodução, empenhou-se com
afinco em demonstrar que a mulher não passava, no fundo, de um homem a quem a
falta de perfeição conservara os órgãos escondidos.
Nessa
linhagem de ideias, a vagina era considerada um pénis interior; o útero, uma
bolsa escrotal; os ovários, testículos, e assim por diante. Ademais, Galeno
invocava as dissecações realizadas por Herófilo, anatomista de Alexandria,
provando que uma mulher possuía testículos e canais seminais iguais aos do
homem, um de cada lado do útero. Os do macho ficavam expostos e os da fêmea
eram protegidos. A linguagem consagrava essa ambígua visão da diferença sexual.
Alberto, o Grande, por exemplo, revelava que tanto o útero quanto o saco
escrotal eram associados à mesma palavra de origem: bolsa, bursa, bource, purse.
Só que, no caso do órgão masculino, a palavra tinha também um significado
social e económico, pois remetia à bolsa, lugar de congraçamento de
comerciantes e banqueiros. Lugar, por conseguinte, de trocas e acção. No caso
das mulheres, o útero, no entanto, era chamado madre ou matriz e associado ao
lugar de produção: as montanhas são matrizes de ouro! Logo, espaço de espera,
imobilidade e gestação». In Mary del Priore, Histórias íntimas,
Sexualidade e erotismo na história do Brasil, Editora Planeta do Brasil, São
Paulo, CDD-302-309-81, 2011, ISBN 978-857-665-608-1.
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