quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Lucrécia Borgia. Jean Plaidy. «Como ele fora descuidado naquela época, tão certo estava da sua capacidade de conseguir alcançar a sua meta. Decidira aproveitar o que havia de melhor nas duas vidas»

Cortesia de wikipedia e jdact

O nascimento de Lucrécia
«(…) Rodrigo enxugou a testa com um lenço perfumado. Tinha sido uma época de grande risco, e ele esperava nunca passar por coisa parecida novamente; no entanto, sempre que pensava nela, percebia a satisfação de um homem que descobriu que o momento perigoso não o encontrara com falta de recursos argutos. Pio vinha sendo, na verdade, um bom amigo, mas houve momentos em que Pio achara necessário repreendê-lo. Agora se recordava das palavras de uma carta que Pio lhe enviara, reclamando da conduta de Rodrigo numa certa casa onde cortesãs tinham sido reunidas para dar prazer aos clientes. E ele, o jovem e bonito cardeal Rodrigo, estava entre os clientes. Fomos informados, escrevera Pio, de que houve danças indecorosas, de que não faltaram atracções amorosas e de que você se conduziu de maneira inteiramente mundana. Rodrigo inclinou a cabeça para trás e sorriu, lembrando-se dos jardins perfumados de Giovanni de Bichis, da dança, dos quentes corpos perfumados de mulheres e dos seus olhares sedutores. Ele as achara irresistíveis e elas sentiam o mesmo por ele. E a reprimenda de Pio não tinha sido séria. Pio compreendia que um homem como Rodrigo devia ter as suas amantes. Apenas achava o seguinte: sim, sim, mas nada de danças em público com cortesãs, cardeal. O povo reclama, e isso dá má fama à Igreja.
Como ele fora descuidado naquela época, tão certo estava da sua capacidade de conseguir alcançar a sua meta. Decidira aproveitar o que havia de melhor nas duas vidas. A Igreja era a sua carreira, por meio da qual iria subir ao trono papal; mas era um libertino, um homem de irrefreáveis desejos carnais. Sempre haveria mulheres na sua vida. Não era uma fraqueza rara; praticamente não havia um padre que levasse a sério os seus votos de celibato, e uma das pessoas espirituosas de Roma dissera, que se toda criança chegasse ao mundo, vestindo as roupas do pai, todas elas estariam vestidas de padres ou cardeais. Todo mundo compreendia; mas Rodrigo talvez fosse mais abertamente promíscuo do que a maioria. Então, ele conhecera Vannozza e instalara-a numa bela casa onde agora eles tinham os filhos. Não que tivesse sido fiel a Vannozza; ninguém teria esperado isso; mas ela continuara sendo a favorita por muitos anos, e ele adorava os filhos. E agora haveria mais um.
Era enfadonho esperar. Ele, que estava com cinquenta anos, sentia-se como um jovem marido de vinte, e, se não fosse pelo medo de ouvir os gritos de dor de Vannozza, teria ido aos aposentos dela. Mas não seria preciso. Alguém estava vindo. A pequena ama de Vannozza, corada e bonita, ficou à frente dele. Mesmo numa ocasião como aquela, Rodrigo percebeu os encantos da jovem. Iria lembrar-se dela. Ela fez uma mesura. Eminência..., a criança nasceu. Com a graça e a agilidade de um homem muito mais jovem, ele se deslocou para o lado da jovem e colocou-lhe as belas mãos brancas nos ombros. Minha filha, você está ofegante. Como o seu coração bate! É, meu senhor. Mas..., a criança nasceu. Ele seguiu à frente. A pequena ama, indo atrás, percebeu de repente que se esquecera de dizer a ele o sexo da criança e que ele se esquecera de perguntar. A criança foi levada ao cardeal, que lhe tocou a testa e a abençoou. As mulheres recuaram; elas pareciam envergonhadas, como se fossem ser acusadas pelo sexo da criança.
Era uma criança linda; havia uma macia penugem de cabelos louros na cabecinha, e Rodrigo acreditou que Vannozza lhe dera mais uma beldade de ouro. Uma garotinha, disse Vannozza, observando-o da cama. Ele aproximou-se dela, tomou-lhe a mão e a beijou. Uma linda garotinha, disse ele. O meu senhor está desapontado, disse Vannozza, com a voz cansada. Ele esperava que fosse um menino. Rodrigo soltou uma gargalhada, aquela musical e grave risada que fazia com que a maioria das pessoas que a ouviam o adorasse. Desapontado!, disse ele. Eu? Olhou então à sua volta para as damas de companhia, que se tinham aproximado, os olhos pousando em cada uma, acariciantes, especulativos. Desapontado porque ela é do sexo feminino? Mas vocês sabem..., todas vocês..., que eu amo o sexo frágil de todo o meu coração, e tenho para com ele uma ternura que negaria ao meu próprio. As mulheres riram, e Vannozza riu com elas; mas os seus olhos aguçados tinham percebido a pequena ama que tinha no rosto uma expressão de expectativa quando o olhar de Rodrigo se demorou nela. Ela decidiu que, assim que voltassem para Roma, aquela jovem deveria ser demitida, e se Rodrigo procurasse por ela, iria procurar em vão. Então o meu senhor está contente com a nossa filha?, murmurou Vannozza, e fez um sinal para que as damas a deixassem a sós com o cardeal. Acredito sinceramente, disse Rodrigo, que vou encontrar no meu coração, para esta doce menina, um lugar mais terno do que o que tenho para aqueles alegres peraltas que agora habitam a nossa ala infantil. Vamos baptizá-la com o nome de Lucrécia; e quando você se recuperar, Vannozza, voltaremos para Roma. E assim, naquele dia de abril, no castelo dos Bórgia de Subiaco, nasceu a menina cujo nome seria notório no mundo inteiro: Lucrécia Bórgia». In Jean Plaidy, Lucrécia Borgia, Edição Record, 1996, ISBN 978-850-104-410-5.

Cortesia de ERecord/JDACT