terça-feira, 17 de dezembro de 2019

A Verdadeira História. Margaret George. «Quando conhecera Quezia e os seus pais, percebera que eram diferentes da sua família, mas não compreendera que as duas famílias eram originárias de tradições religiosas distintas: fariseus e saduceus»

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A Mulher que Amou Jesus
«(…) Descreveu Joel da forma mais simpática que podia, mas enquanto o fazia pensava que ele ainda ficava bem longe do soldado. Quando terminou, Quezia disse, amavelmente: parece que V. fez uma boa escolha. Teremos de aposentar o Soldado e o Diplomata. Construiremos nossas vidas com um tratador de peixe e... Meu pai recebeu recentemente uma oferta da parte de um homem chamado Reuben ben-Asher, que fabrica espadas. Não espadas comuns, apressou-se a explicar. São espadas muito elegantes, finas como um véu e afiadas como uma navalha. Mas você não tomou uma decisão?, perguntou Maria. Meu pai não decidiu, respondeu Quezia. Só irei encontrá-lo depois que ele disser sim ou não. Naquele instante, Maria sentiu-se grata à sua família. Embora muito rigorosos e tradicionalistas, pelo menos não haviam tomado a decisão por ela. Apesar de uma liberdade aparente, Quezia estava em pior situação que ela. Talvez estivesse consciente disso e isso tivesse servido para alimentar as suas fantasias.
Se seu pai disser que sim, espero que esse homem seja uma pessoa agradável, foi tudo o que conseguiu dizer. A ideia de ser apresentada a um estranho e receber ordens de viver com ele até um dos dois morrer era bastante grave. Quezia deu de ombros, tentando aliviar o ambiente. Nós somos mulheres, disse. No final, nunca temos escolha. Quezia insistiu que Maria deveria ficar para falar com a sua mãe e o seu pai. Satisfeita, Maria ficou; não só porque gostava deles, mas também porque estava curiosa de ver o que diriam. Sara, a mãe de Quezia, ficou encantada. Parece uma excelente proposta, disse. Ele junta-se à sua família, mas V. não tem de se unir à dele. E ele é atraente? É..., acho que sim, disse Maria. Aquele passeio à beira do lago parecia insuficiente para servir de base a uma vida conjunta, mas ela achava que descobrira uma certa afinidade espiritual com ele. É religioso?, perguntou Sara. Pergunto porque sei que é importante para a sua família. Não..., não sei, respondeu Maria, dando-se conta de que não haviam discutido o assunto.
Quando conhecera Quezia e os seus pais, percebera que eram diferentes da sua família, mas não compreendera que as duas famílias eram originárias de tradições religiosas distintas: fariseus e saduceus. Os fariseus eram rigorosos na interpretação da Lei e não faziam quaisquer concessões; os saduceus, embora mantendo a tradição sagrada, adaptavam-se, no dia a dia, às circunstâncias materiais de menor importância. Em consequência disso, os fariseus não faziam amizade com romanos ou gentios, temendo serem contaminados, enquanto os saduceus acreditavam que era preferível conhecer o inimigo de perto. Ambos se acusavam mutuamente de trair os interesses do judaísmo. Mas é uma questão importante, você não acha?, perguntou Sara. Ele não parece uma pessoa intolerante, respondeu Maria. Fora essa a sua primeira impressão. Mas ele pode imaginar que todos os canecos devem ser quebrados, se forem tocados por uma impureza, disse Benjamim, o pai de Quezia. E pode querer que V. se vista com aquelas roupas austeras. Maria estremeceu. Mas ele não as usa. Sério, Benjamim disse: e o que pensa ele do Messias? Nós não..., não falamos sobre o Messias, disse, finalmente. Bom, isso é um bom sinal, disse Benjamim. Se ele fosse do tipo daqueles que andam procurando o Messias, não iria deixar de falar nisso.
Não conseguem evitá-lo. Você fica um instante com eles, fala sobre a safra ou sobre o imperador, e imediatamente eles fazem aquele olhar distante e dizem: quando o Messias vier... É bom ficar longe dessa gente! Agora é tarde, pensou Maria. Como poderei ficar longe? Será que Joel está esperando pelo Messias? Parece muito sensível. As pessoas que se interessam pelo Messias são mais apaixonadas. Eu acho que Maria devia sentir-se satisfeita por não ter sido procurada por aqueles pescadores, disse Quezia. Aqueles que entregam peixe no armazém, você sabe, não é? Balançou a cabeça, sacudindo o cabelo brilhante, que na privacidade de casa podia ficar descoberto. Eles fedem. Você mesma disse isso!, disse, apontando para Maria. Encontramos com eles quando íamos chegando ao cais, contou Maria. Os filhos de Jonas, Simão e André. Ah, eu sei, disse Benjamim. Conheço Jonas. E, voltando-se para sua filha, disse, com ar sério: você não estaria sendo tão arrogante se soubesse que Zebedeu me procurou para falar sobre você. E quem é Zebedeu?, perguntou Quezia, assustada. Um pescador famoso de Cafarnaum. Tem uma casa em Jerusalém e relaciona-se com pessoas da casa real. E tem vários filhos?, perguntou Quezia. Tem dois, disse Benjamim. Tiago, o mais velho, é um jovem muito ambicioso. Pelo menos é que o diz Zebedeu: que ele está ansioso para que seu pai se aposente. E o filho mais novo é João. Como quase todos os segundos filhos, João fica na sombra do irmão mais velho. E o senhor..., o incentivou? Na verdade, não. Eu conheci Tiago e o achei muito arrogante. E João é muito sonhador para o meu gosto. Nunca irá se dar bem, nem mesmo se herdar os negócios de seu pai. Há algo de suave em João e as pessoas logo irão se aproveitar dele. Não, você não precisa se preocupar, não terá de se unir à família de Zebedeu». In Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
                                       
Cortesia de SdeEmergência/JDACT