domingo, 22 de dezembro de 2019

O Imperador. Conn Iggulden. «Brutus procurou rostos que reconhecesse. Conhecia a maior parte, após muitos anos ao lado de Júlio, mas um rosto novo atraiu seu olhar. Bíbilo»

Cortesia de wikipedia e jdact

O Sangue dos Deuses
«(…) Ao redor os senadores se empertigaram mais um pouco, muitos levantando as mãos ensanguentadas que antes haviam estado apertadas e escondidas junto ao corpo. Brutus olhou de novo para Cássio, e desta vez sua expressão foi afável. Eu fiz a minha parte, senador. Você deve fazer o resto. Conduza os homens pequenos e dê cada passo com cuidado, caso contrário seremos caçados. Cássio fez que sim, dando um sorriso torto. Eu tenho os votos, general. Tudo está combinado. Vamos entrar livres e seremos homenageados. Brutus olhou intensamente o senador que carregava nas mãos o futuro de todos eles. Cássio era um homem de vigor, sem fraqueza evidente. Então nos guie, senador. Estarei às suas costas. A boca de Cássio se firmou com a suspeita de uma ameaça, mas ergueu a cabeça e desceu para o coração de Roma. Enquanto se aproximavam do Senado, Brutus e Cássio escutaram vozes exaltadas, um leve rugido de som indisciplinado. A grande porta dupla de bronze estava aberta, e uma voz se erguia acima das outras. O ruído se desvaneceu no silêncio.
Brutus tremeu ao pisar nos degraus, sabendo que as poucas horas que restavam antes do meio-dia estariam entre as mais importantes de sua vida. Eles tinham o sangue de César nas mãos. Bastaria uma palavra errada ou um acto impensado e o deles seria derramado antes do pôr do sol. Olhou para Cássio e se tranquilizou de novo com a confiança do outro. Não havia dúvidas no senador. Ele tinha trabalhado longa e duramente por aquele dia. Dois legionários ficaram em posição de sentido enquanto Cássio e Brutus subiam a escadaria. Os soldados estavam perplexos e hesitaram quando o senador levantou a mão direita ensanguentada, certificando-se de que a vissem, antes de inclinar a palma, num gesto incluindo Brutus. O general Brutus é meu convidado, anunciou Cássio, com a mente já nas pessoas que estavam lá dentro.
Ele terá que deixar o gládio aqui fora, senhor, respondeu o soldado. Algo no modo como Brutus olhou para ele o fez baixar a mão para o punho da sua arma, mas Cássio deu um risinho. Ah, entregue-a, Brutus. Não deixe o sujeito sem graça. De má vontade, Brutus desamarrou a bainha da arma, de forma que não desembainhasse a lâmina e amedrontasse o soldado. Entregou a espada e foi alcançar Cássio, subitamente sentindo-se com raiva, mas não poderia dizer exactamente o motivo. Júlio nunca fora parado à porta daquele prédio. Era irritante ser lembrado da sua falta de status no instante do triunfo. Na sede do Senado, Brutus não passava de um oficial de Roma, um homem importante sem posto civil. Bom, isso poderia ser consertado. Agora que César estava morto, todos os fracassos e reveses da sua vida poderiam ser consertados. Mais de quatrocentos homens haviam-se espremido na sede do Senado naquela manhã, os corpos aquecendo o ar, de modo que havia uma diferença perceptível do lado de dentro, apesar das portas abertas. Brutus procurou rostos que reconhecesse. Conhecia a maior parte, após muitos anos ao lado de Júlio, mas um rosto novo atraiu seu olhar. Bíbilo. Anos antes o sujeito havia estado com César, trabalhando como cônsul, porém algo acontecera entre eles e Bíbilo nunca mais havia aparecido no Senado. Seu retorno súbito dizia muitíssimo sobre a mudança de poder, e sobre quantos já sabiam. Brutus viu que Bíbilo tinha envelhecido terrivelmente nos anos de isolamento. Havia engordado ainda mais, com bolsas escuras e inchadas por baixo dos olhos e uma teia de vasos sanguíneos partidos nas bochechas. As papadas estavam esfoladas e vermelhas como se ele tivesse se barbeado pela primeira vez em meses. O olhar do sujeito era febril, e Brutus se perguntou se andara bebendo, já comemorando a morte de um velho inimigo.
Não parecia que a notícia dada por Cássio causaria muito choque naquela câmara. Um número grande demais de senadores tinha expressões presunçosas e sagazes, trocando olhares e acenando uns para os outros como virgens compartilhando um segredo. Brutus desprezava todos, odiava-os pelos seus modos afectados e o seu pomposo sentimento de importância. Tinha visto o Egipto, a Espanha e a Gália. Havia lutado pela República, assassinado por ela, enquanto eles permaneciam sentados e falavam por dias e dias sem entender nada dos homens que sangravam por eles no campo de batalha.
Cássio se aproximou da tribuna. Antigamente havia sido um artefacto do poder romano, esculpida a partir da proa de um navio de guerra de Cartago. Aquela versão fora queimada em tumultos e, como tantas outras coisas no prédio, agora era apenas uma cópia inferior. Brutus levantou os olhos para o homem parado atrás dela e se imobilizou. Percebeu que havia sido objecto de um frio escrutínio desde que entrara na câmara». In Conn Iggulden, O Imperador, O Sangue dos Deuses, 2013, Editora Record, 2014, ISBN 978-850-140-381-0.

Cortesia de ERecord/JDACT