Depoimentos. O pretenso “iberismo” da António Sardinha
«Alguém, cuja opinião muito respeito, recomendou-me a leitura deste
livro de FN, que considerava do mais alto interesse, obra a todos os títulos
notável. Isso de modo algum eu o estranharia, conhecedor, como toda a gente,
dos méritos intelectuais do seu autor, que até ao serviço da causa pública se
tem tão brilhantemente revelado. Logo, pois, me embrenhei na copiosa leitura,
com o imediato sentimento da sua transcendência quanto à minha condição leiga,
de quase analfabeto em letras históricas.
Por isso e pela natural curiosidade por matéria do meu conhecimento
directo, logo me adiantei a buscar o passo em que é feita larga menção do
movimento integralista. E logo me surpreendeu esta afirmação: numa fase ou noutra da sua juventude, alguns
destes homens não deixaram de sucumbir a alguns aspectos do iberismo. Neste particular, destaca-se
a figura de António Sardinha... um
dos mais minuciosos teorizadores do iberismo...
Lamento dizer que vejo aqui uma grave inexactidão e injustiça. Iberismo tem o sentido inequívoco de defesa
da união ibérica. Pois FN, contra o
significado corrente, chama iberista a todo aquele que defenda a Aliança
Peninsular e em particular a António Sardinha. Diz expressamente:
peninsularismo ou iberismo de António
Sardinha como se peninsularismo e iberismo não fossem coisas
diferentes. E afinal através de uma longa análise que faz do pensamento de Sardinha,
discordando embora, como é do seu direito, das suas interpretações históricas ou
políticas, nada pode apontar que seja realmente iberismo: pelo contrário, tem
de registar claras afirmações anti-iberistas, como a referência ao perigo
espanhol, à lição de Aljubarrota, ao desmentido do iberismo feito a cada passo
pela geografia e pela história, carácter libertador da restauração de 1640 e ao
duque de Bragança como penhor do nosso resgate...
FN reconhece que o ideal de Sardinha seria uma ,aliança
peninsular dentro de uma absoluta independência e na convicção de que, firmados
claramente os limites, estes nunca seriam pisados, nem ultrapassados... Mas então porque lhe chama iberista?
Creio ter encontrado a explicação desta anomalia. É que no fundo o que
FN combate é a ideia da Aliança Peninsular, à qual prefere a Aliança
Inglesa. Estava no seu direito nessa atitude, mas sem nunca confundir
aquela ideia com a do iberismo. Seria como se alguém, ao combater a sua ideia da
Aliança Inglesa, a identificasse com a ideia do protectorado de Portugal
pela Inglaterra. Contra a ideia da Aliança Peninsular assim confundida
com a da União Ibérica, opõe FN o grande argumento a que chama o eterno escolho do conde-duque de
Olivares, isto é, a fatalidade do advento da centralização tirânica em
qualquer união ibérica. Ao que António Sardinha poderia responder, não
só que nunca advogou a união ibérica, mas também que a aliança inglesa igualmente se poderia considerar
destinada a descambar no protectorado, esbarrando com os eternos escolhos: da
divergência ideológica desde o protestantismo, do ultimatum, do secreto mercadejar
das nossas colónias, do infame abandono de Goa, da reprovação da nossa defesa
ultramarina...
Têm bases diferentes os raciocínios de N e de Sardinha. FN parece que
parte (e não sai) do princípio da fraqueza de Portugal perante a Espanha, considerando
por isso toda a aproximação perigosa. Mas este derrotismo a priori, esta espécie de desarmamento mental, que não concebe a
hipótese de um Portugal forte e intemerato, não se poderia afinal classificar como uma forma indirecta de iberismo?
Na posição doutrinária de Sardinha não há que esquecer que ele
trabalha sobre a hipótese de um Portugal forte, forte em doutrina (nacionalismo
integral), forte em acção política (defesa da milícia e do ultramar), forte em
estrutura (regímen monárquico). Confessa Segalerva no seu livro La
Union Ibérica (pg. 364), que nada se poderia intentar mais contrário à sua ideia iberista do que a restauração da Dinastia da Casa de Bragança no Trono de Portugal.
Sobre esta Dinastia, pesa a responsabilidade de haver desfeito no tempo de Filipe
IV a obra de Filipe II, e se fosse restaurada reviveriam com ela todos os obstáculos
que desde 1640 vêm impedindo a União Ibérica.
Segundo nos relata FN, Guerra Junqueiro declarou um dia: sacrificaria, sendo necessário e podendo,
os destinos completos da minha raça à completa independência do meu país.
Pois oxalá analogamente pudessem declarar, aqueles que enfermam do preconceito
antimonárquico, estarem prontos a sacrificá-lo para que a monarquia restaurada
possa garantir a nossa completa independência. Beneficiando, quanto à questão
ibérica, do princípio de força nacional representado pelo princípio monárquico,
outro princípio de força tinham Sardinha e o Integralismo no campo
das ideias, como detentores de uma doutrina essencialmente anti-iberista, não
só no aspecto negativo, mas também e sobretudo no ponto de vista positivo de
proclamar as nossas razões de ser». José Pequito Rebelo, in António Sardinha e o
Iberismo, Acusação Contestada, Biblioteca do Pensamento Político, ‘O Debate’ nº
1085, 1972, QP, Oficinas de S. José, 1974.
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