quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos. José Manuel Anes. «… o Misticismo busca transcender o intelecto (por intuição). A Magia a transcender o intelecto pelo poder; a Gnose a transcender o intelecto por um intelecto superior…»

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Alquimia e Magia e Hermetismo
«(…) Essa interpretação da Alquimia é já diferente da anteriormente exposta e pode ver-se, por exemplo, neste trecho, que apresenta uma maior conotação sexual, tântrica (quer da mão direita, imaginariamente, quer da mão esquerda, fisicamente: a Matéria Prima é a Vida (a Vida Corporal). O Homem e a Mulher necessários para a produzir têm de ser obtidos pelo adepto dentro de si mesmos, ou satanicamente, unindo a homo com a heterosexualidade, ou divinamente, com a castidade (...).

Magia, cabala e vias tântricas ocidentais
São diversos os livros sobre estes assuntos, que Pessoa possuía na sua biblioteca dos quais citaremos, a título de exemplo, os seguintes: (The) Kabbalah unveiled, de Rosenroth, traduzido por Mathers (um dos cisionistas da Golden Dawn, contra o poeta e Prémio Nobel, Yeats, tendo sido acompanhado na sua rebelião por Crowley), Magic white and black, Hartman (teósofo e rosacruciano alemão, fundador em 1888, da Rosa-Cruz Esotérica) e Le Kama Soutra, de Vatsyayana (o popular tratado de divulgação de técnicas tântricas, que pode levar, no entanto, muitos ocidentais a ficarem com uma imagem limitada ou mesmo deformada do Tantrismo, já que este não se limita a uma ginástica sexual, é muito mais do que isso). No nosso artigo de 1998, referimos muito rapidamente a reflexão pessoana sobre a Magia, sobretudo através dos textos publicados por Yvette Centeno, para o Ensaio sobre a iniciação, dos quais destacámos o seguinte: o Misticismo busca transcender o intelecto (por intuição). A Magia a transcender o intelecto pelo poder; a Gnose a transcender o intelecto por um intelecto superior mas, continua Pessoa, para transcender uma coisa devidamente, é preciso primeiro passar por essa coisa. No mesmo Essay on the Initiation, podemos ler: há três tipos distintos de iniciação, simbólica ou exterior intelectual (exterior à interior) e vital (interior...). Nas iniciações vitais, que reforçam a emoção e, portanto, conduzem à Alquimia como realização, o candidato vive aquilo que sente e sabe.
Temos aqui que Fernando Pessoa considera uma Magia vital, que passa pela sensação, e além disso, reconhece que para se transcender uma coisa devidamente, é preciso primeiro passar por essa coisa, estes são princípios básicos do Tantrismo (oriental ou ocidental, gnóstico ou hermético). No entanto, no mesmo Ensaio, mas noutro fragmento, o Poeta escreve: a primeira tentação a ser vencida, para que sejam evitados os Erros do Caminho, é o Mundo. A segunda tentação a ser vencida, para que sejam evitados os Erros da Pousada, é a Carne. A terceira tentação a ser vencida, para que sejam evitados os Erros da Cripta, é o Diabo. As tentações são comuns a todos os caminhos, mas o místico está mais sujeito à tentação do Mundo, o mágico à tentação da Carne, o gnóstico à tentação do Diabo. O dizer-se que o mágico está mais sujeito à tentação da carne, implica seguramente que ele utilize pelo menos um tantrismo da mão direita. E, no mesmo fragmento, revelando um bom conhecimento da história de uma das personalidades fundadoras da Golden Dawn, refere Pessoa: dificilmente haverá um mágico que não sucumba a coisas que revelam a fraqueza da vontade. O fim terrível de Mac Gregor Mathers embrutecido pelo álcool é um caso pungente. Ele poderia talvez controlar os diabos de Abremalin; não foi capaz de controlar os seus (fossem eles a luxúria, a bebida ou a desonestidade).
Portanto, Fernando Pessoa reconhece a Carne como uma tentação a ser vencida pelo Mago (a carne está perto do mago...), mas, segundo ele próprio afirma no mesmo Essay, não a evitando, mas passando por ela, vencendo-a, de modo a transcendê-la, pois, como ele diz, quem sabe, por exemplo, o significado místico e transcendente da cópula? (...) isto é mais sério que quanto de sério há na vida aparente.

In José Manuel Anes, Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos, Ésquilo 2008, ISBN 978-989-8092-27-4.