A importância da água na vila de Borba e os antecedentes da Fonte das
Bicas
«(…) Na verdade, o vereador Agostinho Gusmão Pais pretendia que a fonte
se situasse junto à entrada principal da vila, ou seja, sensivelmente onde hoje
se situa a Fonte das Bicas, para melhor servir os regimentos do exército
que Passassem por Borba:
- E logo pello dito Agustinho Gusmão Pais foi dito que à vista de ser (sic) ter prensipiado a obra sem o seu pareser, mandou buscar oficiais que bem o entendião para que se não desemcaminhase a fonte pondo-se em lugrar (sic) donde não fica semndo de utillidade assim ao povo como aos pasageiros respeitando respeitando [repetição] o uso da ágo[a] assim par o povo como para a gente millitar em ocazião das ágoas, digo, da pasagem do[s] exzersytos. E visto pellos oficiais diserão a elle por sertidão xurada aos santos Avangelhos por elle o dizer o dito Agostinho Pais Gusmão, a qual mestraria sendo nesesário que no sítio que elle detriminava que à vista da porta principal na continua pasaxem ficava a fonte em milhor sítio de hobra de mais durasão e otillidade do povo e com menos custo.
Assim, constatamos que a localização da fonte não era muito distinta
entre os vários pontos de vista, devendo a polémica residir em rivalidades e
discórdias pessoais dentro da Câmara. Como os outros membros da Câmara tinham a
maioria dos votos, recusaram a argumentação do referido vereador, e a Fonte
dos Finados acabou por ser construída em frente à Igreja Matriz. A primeira
referência à nova fonte com o nome de Fonte dos Finados surge em 1733, na licença que a 2 de Maio a
Câmara Municipal deu a Joana e António Passos para extraírem barro das barreiras
das estradas, excepto:
- na barreira do Rosio entre a muralha e a Fonte dos Finados sem prejuízo da muralha e estrada.
Esta pequena nota documental, além de nos dar a informação de que a
muralha ainda existiria no seu alçado Este, hoje desaparecido, dá-nos a
toponímia desta fonte, antecessora da Fonte das Bicas. O nome Finados significa mortos,
defuntos, e a razão para a aplicação deste nome reside no facto, em nosso
entender, de se localizar em frente à Igreja Matriz e ser associada aos
inúmeros funerais que se desenrolavam na sua envolvência. Na transição da Fonte dos Finados
para a Fonte das Bicas teve papel fundamental o episódio que se passou
com Francisco Morais Barreto e com sua mulher, Catarina Matilde. Francisco
Morais Barreto conseguiu, em época incerta, um alvará régio que lhe permitia
encanar para as suas propriedades as sobras das águas da Fonte dos Finados. Em
troca, teria de a reconstruir, tornando-a mais útil à população, já que ficaria
com infra-estruturas para os animais poderem beber e para os populares poderem lavar
a roupa, actividade que provocava a destruição das outras fontes da vila que
não estavam preparadas para esta utilização. Assim, a nova fonte seria
constituída por:
- huma arca de abóbada e seu chafaris com três bicas e hum tanque grande pera beberem as bestas e seu lavadouro tudo na froma (sic) que se isprime na escretura de contrato que juntara.
Note-se que a tipologia definida se assemelha à actual Fonte
das Bicas. Tal como o monumento que podemos hoje admirar, esta nova
Fonte dos Finados seria constituída por três bicas, na parte destinada ao
consumo humano, um tanque para consumo animal e lavadouro. Contudo, o referido
Francisco Morais Barreto, enquanto viveu, não construiu uma fonte nova, mas
cobriu a antiga com uma abóbada e encaminhou toda a água para as suas
propriedades, ficando a fonte seca:
- e não fes enquanto viveu só sim fes huma abóbada na fonte e da mesma encaminhou pera a sua orta pro cano fichado ágoa da mesma sem ficra pera os moradores desta villa pesageiros ágoa alguma nem chafariz nem tanque como tinha de obrigasão (...) pondo projuízo aos moradores deste povo e pasageiros pera lhe faltarem ágoa.
Perante este facto, a Câmara notificou a viúva do referido Francisco
Morais Barreto a construir a nova fonte, como estava contratado. Caso o não
fizesse, a Câmara iria demolir, às custas da viúva». In João Miguel Simões, A Fonte
das Bicas, Centro de Estudos Documentais do Alentejo, Edições Colibri e CEDA,
Lisboa, 2002, ISBN 972-772-344-6.
A amizade de AMG e MM
Cortesia de Colibri/JDACT