quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Lisboa e os Descobrimentos. 1415-1580. A invenção do Mundo pelos Navegadores Portugueses. Carlos Araújo. «… chegou à embocadura do rio Zaire (Abril de 1483) e aí instalou o seu primeiro “padrão”. Foi encontrada, a 150 Km de embocadura do Zaire, gravada num rochedo: “Aqui chegaram os navios do ilustre rei de Portugal, JoãoII de Portugal”»

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A exploração marítima registará então um esplendor jamais atingido…

Cem anos gloriosos
Um século de navegações e de descobertas. Cronologia da expansão portuguesa
«(…) Após nova pausa, as viagens de descobrimento prosseguem, durante o decénio de 1450-1460. Dois italianos ao serviço do Infante, Ca' da Mosto (Cadamosto) e Uso di Mare (Usodimare), assim como o português Diogo Gomes, exploram os estuários e as ilhas daquilo a que se chamava os Rios da Guiné, na Guiné-Bissau dos nossos dias. Por fim, em 1460, Pedro Sintra descobre a Serra Leoa. Foi esse, digam o que disserem, o ponto extremo atingido até à morte do Infante (1460).

Da Serra Leoa até às imediações do Cabo (1460-1486)
O desaparecimento do Infante implicou uma interrupção de alguns anos. O rei Afonso V, que reinava desde 1438, interessava-se mais pelo Marrocos do que pela Guiné. Alcácer Ceguer havia sido conquistada em 1458. Em 1471, foi a tomada de Arzila, em breve seguida pela ocupação de Tânger e Larache. E por causa do Marrocos é que Afonso V ficou com o cognome de Africano. Mas a outra África, a Negra, estave muito atrás do Magrebe, na ordem das suas preocupações. Entregara a responsabilidade das navegações a seu irmão, o infante Fernandor governador da Ordem de Cristo e mestre de Santiago. Tendo autoridade sobre todas as ilhas e terras descobertas, o infante Fernando era então o verdadeiro sucessor do infante Henrique. Contudo, não se interessava pela Guiné em maior grau que o seu irmão. Assim, a coroa portuguesa descarregou sobre os ombros de particulares a responsabilidade directa da exploração da costa de África, para lá da Serra Leoa. Através de um contrato assinado em Novembro de 1469, o rei concedia e um certo Fernão Gomes, rico mercador de Lisboa, o direito de navegar e de comerciar nessa região, ficando o mesmo Fernão Gomes com o encargo de descobrir cem léguas de costa por ano (cerca de seiscentos quilómetros), durante cinco anos, e de pagar ao rei uma renda anual de 200 000 reais. Posteriormente, o prazo foi prolongado para seis anos.
Fernão Gomes cumpriu os seus compromissos. Confiou o comando dos seus navios e marinheiros experimentados, como João Santarém, Pêro Escobar, Soeiro Costa, Fernando Pó, Lopo Gonçalves e Rui Sequeira. Estes exploraram todo o contorno do golfo da Guiné, assim como as ilhas, desde a Serra Leoa até ao cabo de Santa Catarina, localizado a 2º ao sul do equador (perto de Port-Gentil, no actual Gabão). Em 1474, Afonso V confiou ao seu filho mais velho, o príncipe João, que lhe iria suceder em 1481, à direcção económica e política da expansão portuguesa. Mas vê-se então, durante vários anos, manifestar-se a rivalidade entre Portugal e Castela. O tratado de Alcáçovas (1479), que põe cobro à guerra da Sucessão, em Castela, acerta essas querelas. Delimita zonas de influência, como o fará alguns anos mais tarde o tratado de Tordesilhas. Uma cláusula reserva então, para Portugal, o golfo da Guiné. Quando, em 1481, João II sobe ao trono, a política de expansão recomeça de novo, mas com maiores ambições. João II nutre um grande desígnio, que se vai desvendando pouco e pouco, e que consiste em dobrar a ponta meridional da África, para chegar à India.
Uma das primeiras decisões tomadas pelo novo monarca, a partir de 1481, foi a de mandar construir, sob a direcção de Diogo Azambuja, o forte de São Jorge da Mina, na costa do golfo da Guiné, a oeste da actual localidade de Cape Coast (no Gana). E todos os materiais deveriam ser transportados de Portugal para lá. Em breve, sob a protecção da fortaleza, começou a nascer uma localidade que, em 1486, recebeu o estatuto de cidade. Este ponto de apoio estratégico, na região em que se efectuava uma boa parte do comércio do ouro africano, iria permanecer sob a soberania portuguesa até 1637. João II confiou a Diogo Cão a tarefa de prosseguir a exploração da costa, para além do cabo de Santa Catarina. É a partir desse momento que os navegadores portugueses ganharam o hábito de levar com eles padrões, que colocavam em certos pontos, para assinalar a sua passagem . Era o nome que se dava a pilares de pedra, tendo ao cimo uma cruz ou o brasão português, com uma inscrição. Diogo Cão realizou duas viagens. No decurso da primeira (1482-1483), chegou à embocadura do rio Zaire (Abril de 1483) e aí instalou o seu primeiro padrão (num lugar que ainda se chama Ponta do Padrão), enviando então emissários ao rei do Congo. De facto, foi encontrada, a 150 Km de embocadura do Zaire, perto das cataratas de Ielala, gravada num rochedo, uma inscrição em português arcaico: Aqui chegaram os navios do ilustre rei de Portugal, JoãoII de Portugal. Lê-se a seguir diversos nomes, incluindo os de Diogo Cão, Pêro Anes e Pêro Costa. Prosseguindo a sua viagem, Diogo Cão atingiu depois, a 28 de Agosto de 1483, o cabo do Lobo (hoje, cabo de Santa Maria, em Angola), a l3º 26’ de latitude sul. E não foi mais além. Regressou então a Portugal, trazendo consigo alguns negros. Chegou a Lisboa em Abril de 1484.
Temos aqui um episódio lamentável. Para além do cabo do Lobo, ponto extremo da sua viagem, Diogo Cão julgou ver a costa a encurvar-se rumo a sueste. E, fazendo dos seus desejos realidades, acreditou ter atingido a ponta meridional da África. A passagem para o oceano Índico estava ao alcance da mão! Comunicou ao rei esta notícia sensacional, mas falsa. E, no ano seguinte (1485), o embaixador português em Roma, Vasco Fernandes Lucena mencionou-a num discurso público. Imagine-se o descontentamento do rei, mais tarde, ao saber a verdade». In Lisboa e os Descobrimentos. 1415-1580. A invenção do Mundo pelos Navegadores Portugueses. Coordenação de Carlos Araújo, Paul Teyssier, Terramar, Memórias, Lisboa, 1992, ISBN 972-710-063-5.

Cortesia de Terramar/JDACT