«(…) A década de 20 verá
nascer a revista Seara Nova,
fundada em 1921 em torno do
chamado grupo da Biblioteca Nacional,
instituição dirigida, desde 1919,
por Jaime Cortesão. Com uma existência de quase sete décadas, nela colaboraram,
para além de Cortesão, Aquilino Ribeiro, Raul Proença, Hernâni Cidade,
Augusto Casimiro, Teixeira Gomes e aquele que nela viria a assumir maior
proeminência: António Sérgio, que nas suas páginas alimentou parte
considerável das suas polémicas. Em termos de caracterização, necessariamente
genérica, a revista Seara Nova reuniu os intelectuais que de algum modo se situavam
na continuidade da linha de acção e de reforma cultural iniciada pelo
iluminismo setecentista, com expressão na centúria seguinte em temas como o do
progresso infinito, com valorização axiomática da Ciência e do naturalismo
científico como núcleo dinâmico duma reforma da cultura e das mentalidades.
Cumpre referir que, durante a vigência do Estado Novo, se assumiu como
importante tribuna na divulgação dos ideais democráticos. Ainda na década de
20 deve destacar-se a revista coimbrã Presença
(1927-1940),
cujo objectivo foi dar alento ao movimento de renovação estética designado por modernismo. A temática dominante
foi sem dúvida a estética literária e só indirectamente a poderemos considerar
entre as nossas revistas filosóficas. Todavia, corporizou, como ponto de chegada,
um importante movimento de irreverência e transformação cultural, iniciado anos
antes com o designado primeiro
modernismo, em torno da revista Orpheu
(2 números, 1915), Centauro
(1 número, 1916) e Athena
(1924-1925)
entre outras, associado a nomes como Almada Negreiros, Fernando Pessoa e
Mário Sá Carneiro. Entre a colaboração filosófica de maior relevo na Presença, encontramos
artigos de Delfim Santos, José Marinho, Raúl Leal e José Bacelar.
E ainda este o período em que
se assiste à fundação de duas revistas universitárias de carácter
interdepartamental, nas quais a filosofia ocupou lugar saliente. Referimo-nos à Revista
da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1920-1923)
e à Biblos (1925
até à actualidade). A primeira era mais uma expressão da vitalidade
cultural que então emergia da academia portuense, contando, na sua comissão de
redacção, com Leonardo Coimbra, Hernâni Cidade e Mendes Corrêa. Foi no
primeiro número dessa revista que Leonardo Coimbra publicou o seu
importante estudo sobre O Problema da
Indução. É de referir ainda o número 5
desta publicação, onde se inclui mais um estudo de Leonardo Coimbra que
analisa a contribuição das modernas teorias científicas para o que designava
como uma concepção espiritualista do
universo. Neste estudo desenvolve a sua teoria da realidade entendida como actividade e liberdade do pensamento,
no quadro mais vasto de uma crítica às incongruências do mecanicismo e de uma
aproximação ao pensamento kantiano. Um ano após a fundação da referida revista
universitária, surge, em 1921,
impulsionada por antigos alunos da Faculdade de Letras do Porto, a revista A Crisálida/A Nossa Revista (dirigida
por Baltasar Cardoso Valente), a qual contou também com a colaboração
filosófica José Marinho e de Leonardo Coimbra. Deve salientar-se aí o
estudo de José Marinho, nos números 6/7
dedicado à análise das relações entre o Logos
e a Liberdade, e os três trabalhos de Leonardo Coimbra, sobre a
ideia de tempo na Física dc Einstein (nº 3), sobre o amor em Platão (n° 4) e
sobre o espírito do cristianismo (nº 6/7).
Quanto à Biblos (Boletim
da Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra),
inicialmente dirigida por Mendes Remédios, constitui uma das mais
prestigiadas revistas universitárias do actual panorama cultural português,
projectando a investigação académica da Universidade de Coimbra. Tomando
por referência os últimos treze anos, encontramos a colaboração activa de Miguel
Batista Pereira com estudos sobre a filosofia contemporânea nomeadamente
sobre o pensamento de Heidegger e Jean Paul Sartre; de Fernando Catroga sobre
Antero de Quental, mais especificamente no que concerne ao conceito de evolução
e à metafísica indutiva no pensamento anteriano; no âmbito da lógica aí se
incluem vários estudos de Amândio Augusto Coxito, nomeadamente sobre o
conceito de método na dialéctica renascentista de frei Francisco Cristo, e
sobre os conceitos de suppositio
e significatio em Pedro
Hispano; o mesmo Pedro Hispano é ainda merecedor da análise de Manuel
Augusto Rodrigues, que estuda o seu pensamento teológico e místico. São
ainda de destacar os estudos de Cerqueira Gonçalves sobre a interpretação
cristã da categoria da relação,
e sobre a filosofia da paz; de
Francisco Gama Caeiro sobre o lugar de Miranda Barbosa na filosofia portuguesa
contemporânea; de M. da Costa Freitas sobre Santo Anselmo; de Gustavo de Fraga
sobre a fenomenologia e de António José de Brito sobre os juízos de existência, referências mais do que suficientes
para fazer da Biblos uma
tribuna de inquestionável valor no âmbito da actividade filosófica portuguesa».
In
Pedro
Calafate, Estado da Questão, Revistas Filosóficas em Portugal, Philosophia
2, Lisboa, 1993.
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