quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Muçulmanos. Cristãos. Judeus. Toledo. Séculos XII-XIII. « Parafraseando o título de uma obra célebre, ‘os árabes invadiram mesmo a Espanha’. Vieram em grande número, em muito maior número do que outrora se imaginava, da longínqua Arábia e do Norte de África»

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A Chegada dos Cristãos. O Refluxo do Islão Espanhol
«(…) 1050. Já1á vão mais de trezentos anos e um país completamente transformado. A Espanha é muçulmana; ou antes, os dois terços meridionais da Espanha, a sul de uma linha que vai de Lisboa a Navarra. A norte, a Espanha fria, húmida, miserável, abandonada aos cristãos que, com guarnições e expedições periódicas, operações de polícia e de pilhagem bem como militares, se instalaram nas montanhas do lado de lá de uma vasta no man's land quase vazia, que garante a segurança de Al-Andalus, a Espanha meridional, rica, povoada e cultivada. Entre as duas, uma fronteira militar juncada de cidades fortificadas: Badajoz, Toledo, Saragoça; complementada por uma estrada, que permite aos exércitos que sobem do sul socorrer rapidamente qualquer ponto ameaçado. Al-Andalus é, antes de tudo, uma civilização agrícola, uma agricultura rica, onde a irrigação, as culturas hortícolas e os pomares parecem desempenhar um grande papel; é também uma civilização urbana onde a tradição árabe fez reviver as cidades quase mortas dos visigodos: Córdova, em primeiro lugar a capital, admirada pelos viajantes; Sevilha, a mercantil, Almeria, Granada, Valência, Saragoça e Toledo, reduzida a um papel de segundo plano mas que faz grande figura se comparada com os pobres povoados do país cristão... Al-Andalus é o comércio, com os Francos amantes de ouro e de produtos de luxo, mas sobretudo com Túnis, com Alexandria. Al-Andalus, enfim, é para os cristãos do norte, o país da prata e do ouro, o país onde circulam os dinares, essas moedas que têm o peso da lei cujo uso a Europa quase perdeu.
Todavia, nem tudo é fácil na Espanha muçulmana, a começar pela sociedade que carece de homogeneidade. O Islão é tolerante e não obrigou os cristãos a converterem-se. Na religião muçulmana, o clero exerce o seu ministério, os mosteiros funcionam, ensina-se teologia, especula-se sobre as relações entre o Filho e o Pai, e o culto continua... É certo que sem poder manifestar-se no domínio público. Mas o estatuto jurídico do cristão coloca-o num estado de inferioridade flagrante: paga um imposto especial, não tem direito a casar com uma muçulmana, e estão sempre prontos a declará-lo convertido, ao mínimo sinal que dê, sem possibilidade de arrependimento. Salvo raras excepções, são sobretudo os postos de comando que lhe são vedados. Por outro lado, as conversões são numerosas, e a comunidade cristã enfraquece todos os dias. Em breve chegará o tempo em que os cristãos do sul, apanhados entre uma vaga fundamentalista muçulmana e a expansão dos seus correligionários do norte que lhes chamam, talvez com desprezo, moçárabes, vão ter de renunciar à sua especificidade. Entretanto, sentem-se cada vez mais constrangidos e, quando podem, emigram para as terras cristãs.
O mesmo não se poderia dizer dos judeus. São numerosos, sobreviventes das perseguições visigóticas ou imigrantes vindos um pouco de todo o lado, atraídos pela tolerância que lhes é demonstrada e pelo crescimento das cidades. O seu estatuto é semelhante ao dos cristãos, e o seu papel aumenta na administração. Em certos Estados, no século XI, alguns deles desempenharão o papel de verdadeiros primeiros-ministros. O direito coloca o muçulmano no vértice da pirâmide social e a prática ainda mais. Pois, parafraseando o título de uma obra célebre, os árabes invadiram mesmo a Espanha. Vieram em grande número, em muito maior número do que outrora se imaginava, da longínqua Arábia e do Norte de África (ainda se faz a distinção entre árabes e berberes). Os convertidos de origem cristã, que estão colocados numa posição inferior à dos muçulmanos de origem, fizeram o resto. O Islão é maioritário. Mais ainda, a cultura é muçulmana: a organização social, os modelos familiares, as estruturas de pensamento são muçulmanas. Também o árabe é a língua das ciências e das artes; ciências e artes que, desde o século X, brilham nas cortes e nas cidades. As artes plásticas, a arquitectura, desenvolveram-se e oferecem monumentos que entraram no património universal, como a grande mesquita de Córdova; a poesia, na mais pura tradição oriental, produz obras-primas. O pensamento especulativo experimenta um impulso notável nas escolas jurídicas, e até, sob o grande al-Hakam II, que reúne em Córdova, na segunda metade do século X, uma magnífica biblioteca, as matemáticas e a astronomia». In Louis Cardaillac, Tolède, XII-XIII, Éditions Autrement, Paris, 1991, Toledo XII-XIII, Muçulmanos. Cristãos, Judeus, O Saber e a Tolerância, Terramar, Lisboa, 1996, ISBN 972-710-144-5.

Cortesia de Terramar/JDACT