quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Algumas notas sobre Marx e a História. António Borges Coelho. «… como matéria-prima de nova produção, forma-se uma conexão na história dos homens, forma-se uma história da humanidade, que é tanto mais a história da humanidade quanto as forças produtivas dos homens…»

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Para as Excelências… (pardas)
«(…) Hoje, como no dia da sua aparição no mundo, o homem é obrigado a consumir antes de produzir e enquanto produz. Para nós esta tese é uma evidência, mas ela alterou todo o ponto de partida da investigação sobre a essência do homem. Ele não caiu do céu a cavalo num meteorito, levantou-se da terra. Na produção social da sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. Assim, os homens fazem a sua própria história mas não a fazem segundo a sua livre vontade, em circunstâncias escolhidas pelos próprios, mas nas circunstâncias imediatamente encontradas, dadas e transmitidas. A tradição de todas as gerações mortas pesa sobre o cérebro dos vivos como um pesadelo.
Na sua análise, Marx lembra-nos que a natureza não produz, de um lado, possessores de dinheiro e de mercadorias e, do outro, possessores tão-só da sua própria força de trabalho. Uma tal relação não tem fundamento natural nem tão pouco constitui uma relação social comum a todos os períodos da história. É o resultado de um desenvolvimento histórico preliminar, o produto de um grande número de revoluções económicas, produto saído da destruição de toda uma série de velhas formas de produção social. Essas revoluções económicas marcaram a história. Pelo simples facto de que toda a geração posterior encontra forças produzidas pela geração anterior que lhe servem como matéria-prima de nova produção, forma-se uma conexão na história dos homens, forma-se uma história da humanidade, que é tanto mais a história da humanidade quanto as forças produtivas dos homens e, por consequência, as suas relações sociais tiverem crescido.
Mas se as mulheres e os homens são produto das circunstâncias e da educação, como é que fazem a história? Como é possível conciliar vontades contraditórias, individuais e colectivas? Em Ludwig Fuerbach e o Fim da Filosofia Alemã, Marx e Engels escrevem: Os homens fazem a sua história, ocorra ela como ocorrer, perseguindo cada um os seus próprios objectivos, queridos conscientes, e o resultado destas várias vontades, que agem em diversas direcções, e da sua influência múltipla sobre o mundo exterior é que é a história. Mais tarde, em 1890, Engels esclarece melhor este ponto numa Carta a Joseph Bloch:

Há inúmeras forças que se entrecruzam, um número infinito de paralelogramas de forças de que provem uma resultante, o resultado histórico, que, por sua vez, pode ele próprio ser encarado como o produto de um poder que, como todo, actua sem consciência e sem vontade. Pois aquilo que cada indivíduo quer é impedido por outro e o que daí sai é algo que  ninguém quis. Assim a história até aqui decorreu à maneira de um processo natural e está também essencialmente submetida às mesmas leis do movimento.

Os homens dependem das circunstâncias estabelecidas pelas gerações que os precederam, mas os educadores natureza e sociedade também têm de ser educados. Esta tese de Marx evoca Demócrito, o filósofo que escolheu para a sua tese de licenciatura: A natureza e a educação, disse Demócrito, estão próximas uma da outra, porque a educação transforma o homem mas, através desta transformação, cria-lhe uma segunda natureza. Há mais de sessenta anos que me dedico à investigação em História. Na minha formação teórica intervieram a vida e as leituras mais contraditórias. Marx? Sem dúvida. Ensinou-me que é necessário partir do concreto, ensinou-me que a história é um espaço e tempo total e contraditório onde cabem todos os homens, incluídos, os excluídos, as minorias, os levantados do chão. Ensinou-me que é possível e necessário inventar um modelo que capte, sempre provisoriamente, o processo da evolução das sociedades humanas. O discurso histórico que intenta prender nas letras o devir das sociedades e das civilizações não pode ficar na enumeração ou exibição de princípios.
A escrita da História mobiliza o trabalho de gerações e gerações de trabalhadores especializados: arqueólogos, linguistas, paleógrafos, geógrafos, antropólogos, economistas, juristas, críticos de arte, de literatura. Serve-se da Filosofia, da Geografia, da Biologia, da Economia, do Direito, da Sociologia, da Antropologia, da Literatura, da Arte, da Linguística. Usa uma vasta panóplia de conceitos: trabalho social, classes, grupos sociais, modo de produção, níveis das forças produtivas, relações de produção, complexo histórico-geográfico, ideologia, tempo curto, longa duração, anacronismo etc». In António Borges Coelho, Algumas notas sobre Marx e a História, Wordpress, Marx em Maio, 2012.

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