sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Música. África do Sul. Homenagem. «Talvez o espere a avó o pai amigos e a mãe que disfarça às vezes uma lágrima. Talvez o próprio povo o espere ainda quando subitamente fica melancólico propenso a acreditar em coisas misteriosas»

Cortesia de publico e jdact


«Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo».

«Talvez o espere ainda a Incomeçada
aquela que louvámos uma noite
quando o abril rompeu em nossas veias.
Talvez o espere a avó o pai amigos
e a mãe que disfarça às vezes uma lágrima.
Talvez o próprio povo o espere ainda
quando subitamente fica melancólico
propenso a acreditar em coisas misteriosas.
Algures dentro de nós ele cavalga
algures dentro de nós
entre mortos e mortos.
É talvez um impulso quando chega maio
ou as primeiras aves partem em setembro.
Cargas e cargas de cavalaria.
E cercos. Conquistas. Naufrágios naufrágios.
Quem sabe porquê. Quem sabe porquê.
Entre mortos e mortos
algures dentro de nós.
Quem pode retê-lo?
Quem sabe a causa que sem cessar peleja?
E cavalga cavalga.
Sei apenas que às vezes estremecemos:
é quando irrompe de repente à flor do ser
e nos deixa nas mãos
uma espada e uma rosa».

«Herói é quem num muro branco inscreve
o fogo da palavra que o liberta:
sangue do homem novo que diz povo
e morre devagar de morte certa.
Homem é quem anónimo por leve
lhe ser o nome próprio traz aberta
a alma à fome fechado o corpo ao breve
instante em que a denúncia fica alerta.
Herói é quem morrendo perfilado
não é santo nem mártir nem soldado
mas apenas por último indefeso.
Homem é quem tombando apavorado
dá o sangue ao futuro e fica ileso
pois lutando apagado morre aceso».


JDACT