terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Noite de 15 de Julho de 1900. Conferência Pública. Atheneu Commercial de Lisboa. Alexandre Herculano. Diogo Rosa Machado. «Herculano foi o adversário mais temível que os jesuítas tiveram em Portugal; era dentro do christianismo que elle os combatia com o máximo vigor…»

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«(…) Nas questões de litteratura e arte diz Theophilo Braga que as primeiras impressões do espirito de Herculano o tornaram um padre por dentro. Porque motivo o distincto escriptor não deu este epitheto a tantos outros portugueses illustres que não só foram catholicos mas nunca luctaram com os padres, nunca ousaram combater energicamente a reacção ultramontana e o jesuitismo, nunca se preoccuparam com os progressos que a Companhia de Jesus tem feito em Portugal? Que um homem rude, sem instrucção, tendo apenas algumas idéas superficiaes ministradas pelo jornalismo politico, chegue a confundir a religião com o jesuitismo, isso não me admira; o que me causa verdadeiro assombro, o que me impressiona muito desagradavelmente é que Theophilo Braga, cujo talento é assás notável, procure deprimir Herculano dando-lhe o epitheto de padre. O grande lyrico João de Deus, vivendo numa epocha menos religiosa, foi um catholico fervoroso que nunca desagradou ao clero como Alexandre Herculano; mas quem se lembrou de dar ao espontâneo, singelo e mavioso poeta do Campo de flores o epitheto de padre? Almeida Garrett, o glorioso reformador do theatro nacional, escreveu um elegantissimo tratado de educação, onde não se revela menos catholico do que Herculano; todavia qual foi o critico que procurou deprimi-lo chamando-lhe padre? Não me consta que alguém désse este epitheto nem a Rebello da Silva por ter sido o auctor dos Fastos da Igreja nem a Camillo Gastello Branco por haver escripto uma obra religiosíssima, a Divindade de Jesus. A seguirmos a crítica de Theophilo Braga, não só poderíamos affirmar que o mosteiro dos Jeronymos ficaria em breve repleto de padres se quizessemos continuar a trasladar para aquelle sumptuoso monumento os restos mortaes dos nossos grandes homens, mas também daríamos o referido epitheto á maior parte desses génios prodigiosos cujos descobrimentos scientificos contribuíram tão poderosamente para o progresso da humanidade como Kepler, Newton, Leibnitz, Pascal, Descartes, Claude Bernard, Pasteur e tantos outros, cujo espirito eminentemente religioso é bem notório.
Herculano era da máxima tolerância para com aquelles cujas opiniões divergiam das suas; não admitia restricções para a livre manifestação do pensamento. Foi um catholico liberal como o celebre historiador e theologo allemão Doellinger, que fazia d'elle o mais alto conceito e o admirava enthusiasticamente, consultando-o sobre muitos pontos históricos e chegando a occupar-se, nos Annaes históricos de Munich, da vida e obras do nosso eminente prosador, a quem fez os maiores elogios. Na questão religiosa, Doellinger, o grande historiador da igreja, um dos mais profundos theologos da Allemanha, desempenhou um papel semelhante ao de Herculano; foi o denodado campeão do partido dos velhos catholicos allemães, que ousaram arrostar as fúrias de Roma; como escriptor e lente de theologia, exerceu um grande prestigio no seu pais, combatendo energicamente as novas modificações feitas no christianismo e procurando assim desviar a mocidade catholica allemã da influencia nefasta dos jesuítas; por isso era mal visto em Roma, era detestado pelo partido jesuítico, pelos sectários do neo-catholicismo.
Herculano foi o adversário mais temível que os jesuítas tiveram em Portugal; era dentro do christianismo que elle os combatia com o máximo vigor; os seus vastos e profundos conhecimentos de theologia e de historia ecclesiastica foram as armas mais poderosas por elle manejadas para demonstrar os erros dos ultramontanos e a grande differença que existia entre as doutrinas jesuíticas e as que haviam professado os christãos dos primeiros séculos; era expondo lucidamente as opiniões dos padres da Igreja e dos antigos papas que elle dava os golpes mais profundos na Companhia de Jesus e no partido ultramontano. Na verdade os jesuítas têm-se afastado tanto da igreja primitiva que não é mister sair do christianismo para combatê-los; é com o Evangelho na mão que mais solidamente se podem refutar os seus erros gravíssimos. O Manifesto da Associação popular promotora da educação do sexo feminino, redigido por Herculano, o qual se acha inserto no segundo volume dos Opúsculos, é a obra mais eloquente e profunda que em Portugal se tem escripto contra a educação jesuítica; é um livro que deve ser lido por todos aquelles que ainda se preoccupam com o futuro da nossa pátria e prezam a moralidade da família portuguesa. D'este brilhante opúsculo vou reproduzir o seguinte trecho, que é sem duvida um dos mais eloquentes que se têm escripto em todas as línguas». In Diogo Rosa Machado, Alexandre Herculano, Conferência Pública realizada no Atheneu Commercial de Lisboa, na noite de 15 de Julho de 1900, Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, Lpor H539. Yma, 556544, 14.1.53.

Cortesia de L. Tavares Cardoso & Irmão/JDACT