domingo, 8 de dezembro de 2013

Bastardos Reais. Os Filhos Ilegítimos dos Reis de Portugal. Isabel Lencastre. «Os filhos que os Reis têm fora do matrimónio não logram o carácter de Infantes, não só no nosso Reino nem nos outros de Espanha nem em tempo algum tiveram essa prerrogativa, como se vê das Escrituras, Doações e Privilégios…»

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«(…) Mas o lugar e o papel dos bastardos reais foram bastas vezes fonte de problemas e conflitos, que chegaram a provocar verdadeiras guerras civis, como sucedeu no reinado do monarca Dinis I. E, mesmo quando não se chegou a tais extremos, os filhos ilegítimos dos reis de Portugal prejudicaram muitas vezes o prestígio e a autoridade da monarquia. Os bastardos reais eram, como António Caetano Sousa sublinha na sua História Genealógica da Casa Real Portuguesa, escândalo do matrimónio; representavam uma afronta à rainha consorte; e constituíam uma ameaça aos filhos dela nascidos. Em suma: punham em causa a ordem constitucional vigente. É verdade que esses bastardos deviam ao seu sangue determinadas prerrogativas, como notou Georges Duby. Por serem ilegítimos, não deixavam de ter sido gerados por reis, tendo por isso de ser honrados adequadamente, como o autor da História Genealógica também sublinhou. E Pascoal Melo Freire chegou mesmo a escrever que, em Portugal, era pequena a diferença entre os filhos legítimos e os filhos bastardos dos reis; com efeito, todos se chamam por direito filhos do rei visto que de reis foram procriados. Por isso, aliás, desde o início do reino [os bastardos] sempre foram tidos em grande honra, precedendo em dignidade os Grandes e Magnates do Reino.
Mas, como Pascoal Freire também sublinhou, aos filhos legítimos dos reis pertenciam alguns direitos principais, que todas as leis, incluindo as nossas, denegam aos bastardos. Estes, situando-se num plano inferior, naquele patamar intermédio em que José Augusto Pizarro os colocou, não mereciam, por exemplo, o título de Infante nem por direito sucediam a seu pai no trono, mesmo quando tinham o tratamento de Altezas, como sucedeu, por exemplo, com os bastardos de João V. A este respeito, António Caetano Sousa foi claro e peremptório:
  • Os filhos que os Reis têm fora do matrimónio não logram o carácter de Infantes, não só no nosso Reino nem nos outros de Espanha nem em tempo algum tiveram essa prerrogativa, como se vê das Escrituras, Doações e Privilégios rodados que assinavam junto com os Reis e Infantes, para o que não é necessário produzir exemplos, por ser matéria sem controvérsia para os que são professores de História; e para os que são curiosos somente faço esta advertência para que se não embaracem quando lerem em alguns Autores tratarem de Infantes aos ilegítimos.
Não parece verdade que, nesta matéria, a situação portuguesa fosse exactamente igual à dos outros reinos de Espanha. Salvo melhor opinião e investigação mais aprofundada, os bastardos reais de Castela não sofriam as mesmas limitações que os portugueses. Pode ser que não tivessem, como os nossos não tinham, o carácter de infantes. Mas gozavam de direitos sucessórios bem mais amplos do que os nossos. Podiam nomeadamente herdar a coroa e suceder no trono, o que entre nós, como já se disse, estava vedado aos filhos ilegítimos dos reis. Com efeito, se Henrique de Trastâmara, bastardo de Afonso XI, acedeu ao trono castelhano por sucessão, João, Mestre de Avis, bastardo do rei Pedro I, só chegou ao trono português por eleição. É toda uma diferença. Cumpre aliás notar que, para ganhar essa eleição, o admirável João das Regras assentou a sua defesa de João I na afirmação de que todos os candidatos ao trono vagante por morte do monarca Fernando I eram bastardos, e que, por isso, nenhum tinha direito a suceder ao rei Formoso.
Em França, a sucessão da coroa também estava vedada aos bastardos reais. Mas Luís XIV resolveu, a certa altura, mudar as regras do jogo, concedendo aos filhos havidos fora do seu casamento o tratamento de Altezas Sereníssimas e, depois, o direito de sucessão ao trono por extinção da descendência legítima. Caíram o Carmo e a Trindade. E Saint-Simon, recordando o escândalo, escreveu nas suas Memórias páginas carregadas de indignação. O mais poderoso monarca do seu tempo foi forçado a dar o dito por não dito. E os bastardos do Rei-Sol perderam o direito de suceder ao trono de seu pai. É de notar que o exemplo francês teve algumas repercussões em Portugal, onde os filhos ilegítimos de João V, os famosos Meninos de Palhavã, tiveram tratamento de Altezas, que os bastardos de Pedro II também receberam. Mas o Corpo Diplomático então acreditado em Lisboa nunca assim os tratou, invocando justamente uma lei do rei Magnânimo, datada de 1720, que reservava esse tratamento aos infantes. Mas infantes é que os Meninos não eram». In Isabel Lencastre, Bastardos Reais, Os Filhos Ilegítimos dos Reis de Portugal, Oficina do Livro, 2012, ISBN 978-989-555-845-2.

Cortesia de Oficina do Livro/JDACT