sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Duas Estratégias Divergentes na Busca das Índias. D. João II vs Colombo. José M. Garcia. «El-rei porque via ser este Christouã Colom homem falador e glorioso em mostrar suas habilidades, e mais fantástico e de imaginações com sua ilha Cipango, que certo no que dizia; dava-lhe pouco crédito. E com este desengano espedido ele del-rei se foi pêra Castela, onde também andou ladrando este requerimento (...)»

Cortesia de wikipedia e jdact

O rei João II em Carnide em 1483
«(…) O assunto da proposta de descobrimento por Colombo poderá ter sido suficientemente importante para que João II tenha feito expressamente essa deslocação de muito curta duração, pois não teria havido outra motivação para então ir precisamente a Carnide. Conjugando todos estes dados podemos deduzir estar bem fundamentada a possibilidade de ter ocorrido em Carnide em Junho de 1483 o encontro entre Colombo e João II durante o qual o primeiro se propôs realizar uma viagem para ocidente visando chegar a terras da Ásia, de que se haviam localizado alegados indícios no mar que ali se encontravam. Terá, sido neste contexto que surgiu a oportunidade do rei permitir que Colombo visse as canas de que já ouvira falar e se guardavam no famoso santuário daquela povoação.

Sobre a negação do apoio de João II ao projecto de Colombo
El-rei porque via ser este Christouã Colom homem falador e glorioso em mostrar suas habilidades, e mais fantástico e de imaginações com sua ilha Cipango, que certo no que dizia; dava-lhe pouco crédito. Contudo à força de suas importunações mandou que estivesse com Dom Diogo Ortiz, bispo de Ceuta, e com mestre Rodrigo e mestre Josope (= José), a quem ele cometia estas cousas da cosmografia e seus descobrimentos; e todos houveram por vaidade as palavras de Christouam Colom, por tudo ser fundado em imaginações e cousas da ilha Cipango de Marco Polo (...). E com este desengano espedido ele del-rei se foi pêra Castela, onde também andou ladrando este requerimento (...).

Esta informação de João de Barros sobre a negação do apoio ao projecto de Colombo é a mais completa que possuímos sobre este assunto e permite-nos sugerir a circunstância de o principal responsável para a negação de apoio a Colombo ter sido Diogo Ortiz Vilhegas, também na altura referenciado por licenciado Calçadilha visto ter nascido nessa povoação castelhana, já que o genovês parece ter mantido boas relações com José Vizinho, pois a ele alude por duas vezes nas suas notas relativamente ao ano de 1485. Diogo Ortiz viera para Portugal em 1475 como confessor de D. Joana, a Excelente Senhora, depois de ter sido regente da cadeira de Astrologia na Universidade de Salamanca entre 1469 e 1475.
O desfecho do caso do pedido de apoio de Colombo a João II poderá ter-se arrastado até 1484, pois o rei teria querido aguardar pelo regresso de Diogo Cão, que acabou por chegar a Portugal pouco antes de 8 de Abril de 1484, data em que recebeu a generosa tença anual de 10 000 reais brancos, a que se seguiu a 14 de Abril de l484 a concessão de uma carta de brasão com as honras de fidalgo. Todas estas recompensas revelam o regozijo do rei perante as notícias dos progressos então alcançados, tendo-o levado à convicção de que as suas caravelas tinham estado próximo do extremo sul da África e da almejada passagem para o oceano Índico. Esta atitude é revelada através da oração de obediência de João II ao papa Inocêncio VIII que foi pronunciada a 11 de Dezembro de 1485 por Vasco Fernandes Lucena, na qual se reflectem as expectativas abertas pela viagem de Diogo Cão, pois nesse documento' então impresso em Roma, pode ler-se em tradução portuguesa recente:

A tudo isto acresce, enfim, a segura esperança de explorar o Golfo Arábico, onde os reinos e nações dos que habitam a Asia, apenas de nós conhecidos por obscuríssima fama cultivaram com a maior devoção a fé santíssima do Salvador, e em relação aos quais, se é verdade o que ensinam os mais autorizados geógrafos, a navegação dos portugueses já está a poucos dias de viagem. De facto, percorrido já na sua maior parte o périplo de África, os nossos homens aportaram o ano passado perto do Promontório Prasso, onde começa o Golfo Arábico; tendo esquadrinhado todos os rios, litorais e portos numa distância de mais de 4500 milhas a contar de Lisboa, segundo a mais rigorosa observação do mar, das terras e das estrelas. Uma vez explorada esta região, já me parece que estou a ver quanto e quão grandes cúmulos de fortuna, honra advirão para todo o povo cristão e especialmente para vós, Santíssimo Padre, para os vossos sucessores e para esta Sé sacratíssima de Pedro.

In José Manuel Garcia, D. João II vs Colombo, Duas Estratégias divergentes na busca das Índias, Quidnovi, 2012, Vila do Conde, ISBN 978-989-554-912-2.

Cortesia de Quidnovi/JDACT