quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Um Percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal. D. João II. Manuela Mendonça. «’Foy o prymeiro Rey destes Reynos que ajuntou boõs livros, e fez livraria em seus paços’, e deixou igualmente registada uma delicada sensibilidade neste rei cavaleiro…»

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O Príncipe João. Educação e Ambiente. A Corte
«(…) Foi um período de verdadeiro medir de forças que Rui de Pina escreveu detalhadamente, permitindo-nos acompanhar todo o processo e colocando-nos por dentro da intriga, que relegará para posições cada vez mais antagónicas os dois grupos adversos: de um lado o Regente Pedro, do outro a facção liderada pelo duque de Bragança. Estes dois grupos agiram e agitaram o espírito do jovem rei, mas foi o duque de Bragança que ganhou o favor de Afonso V. Como consequência, Pedro, que tinha continuado a colaborar com o sobrinho no governo do reino, mesmo depois deste ter assumido o trono, acabou por ser definitivamente afastado. Doravante, as relações entre o sogro e o genro deterioraram-se de tal modo, que acabaram por sofrer uma quebra total. Esta situação culminou em Alfarrobeira, cujo significado histórico se traduziu essencialmente no triunfo dum importante sector da nobreza, cuja mentalidade, eivada de interesses de tipo senhorial, se opunha deliberadamente à concepção estatal, de cunho centralizador, posta em execução pelo infante Pedro, durante o seu governo. Ainda no dizer do autor que vimos citando, o projecto de Pedro não se realizou porque o regente não soube ou não foi capaz, de pôr em execução algumas medidas que beneficiassem os concelhos. O exame de algumas respostas dadas pelo duque de Coimbra aos procuradores do Terceiro Estado em cortes patenteia com clareza a falta de sintonização que havia entre ambas as partes. A mentalidade senhorial daquele governante, tão evidenciada nos seus escritos, mostra à saciedade que se encontrava muito afastado dos interesses populares. Foi necessário que passasse o reinado de Afonso V para que o neto do Regente retomasse o seu projecto, à luz de uma mentalidade diferente.
O ambiente de corte que viu crescer o Príncipe foi, pois e na sequência dos problemas que acabamos de abordar, um ambiente de paz superficial e, diríamos mesmo, de guerra fria. No dia a dia da sua infância cruzavam-se dois tipos de influências: os homens de seu pai e os homens de seu tio. Órfão ãe mãe com 7 meses apenas, o Príncipe João oferecia-se como campo propício às mais diversas influências. Qual dos partidos conseguiria desta vez a vitória final?

Educação
Muito pouco se sabe da infância de João. Os cronistas são, no geral, quase totalmente omissos nessa informação. Para além de uma referência a Diogo Soares Albergaria como aio do Príncipe, cuja escolha Rui de Pina justifica por sua fydalguia, bondades, e grande saber, apenas um outro dado colhido em Garcia de Resende que escreveu: tanto que teve entender lhe ordenou logo elRey seu pay pessoas virtuosas, prudentes e muy examinadas, que dele tivessem cuydado, e que fossem taes de que podesse tomar boa doctrina, e lhe deu bons mestres que o ensinassem a ler, rezar, e latim e escrever, e assi moços bem ensinados, pera se criarem com elle, e o servirem, tudo feito como tal pay ordenava, e tal filho merecia. Outras notícias directas sobre o modo como o príncipe foi educado e quem foram os respectivos educadores não há. Será, pois, necessário recorrer à informação disponível sobre o ambiente intelectual da corte de Afonso V para poder reconstituir, embora em traços gerais, as tendências que certamente teriam incidido no modo de educação do príncipe. Só esse conhecimento pode ter levado Elaine Sanceau a afirmar de João: … educado por humanistas, numa Corte onde havia uma livraria bem fornecida, o Príncipe adquiriu instrução sem dar por isso... Que o príncipe vivesse numa corte onde a influência humanista se fazia sentir, sobretudo pela presença de mestres italianos que desde a regência de Pedro se tinham fixado em Portugal para a docência e o cultivo das letras estamos de acordo, embora seja prematuro afirmar que o Humanísmo, como corrente doutrinal, se pudesse então considerar já introduzido em Portugal. O mesmo se não pode dizer quanto à convicção de que o príncipe adquiriu instrução sem dar por isso. Certamente o ambiente que ò rodeava era culto e essa realidade criaria em João uma predisposlção à aprendizagem; mas o ambiente não seria, só por si, suficiente para motivar a criança se bons mestres o não tivessem iniciado e ensinado. O que parece estranho é não haver indicações concretas sobre esses mestres, tanto mais que as há relativamente aos que instruiram seu Pai.
Afonso V, entregue aos cuidados de Pedro, recebera esmerada educação, manifestada posteriormente por significativas preocupações intelectuais; Rui de Pina referiu essa faceta do rei quando afirmou: Foy o prymeiro Rey destes Reynos que ajuntou boõs livros, e fez livraria em seus paços, e deixou igualmente registada uma delicada sensibilidade neste rei cavaleiro quando dele escreveu folgou muyto d'ouvir musica, e de seu natural sem algum arteficio teve pera ella bom sentimento. Como afirmou Sousa Viterbo Affonso V não renegou, como se vê, as tradições da família, antes demonstrou que pertencia a uma geração de homens ilustres, em que o saber não occupava logar inferior ao das armas. Sensível, pois, propenso às coisas do espírito, é impossível que este monarca não tivesse buscado para o seu herdeiro os melhores mestres da época. E referimo-nos, naturalmente, a professores italianos, como os seus. Mas a verdade é que essa informação falha por completo. Recorreremos, contudo, aos dados que conseguimos recolher em especialistas em Educação de Príncipes nesta época, para podermos fazer uma ideia daquela que o futuro João II recebeu». In Manuela Mendonça, D. João II, Um Percurso Humano e Político nas Origens da Modernidade em Portugal, Imprensa Universitária 87, Editorial Estampa, Lisboa, 1991, ISBN 972-33-0789-8.

Cortesia de Estampa/JDACT