D. Brites
«Ao observarmos a tela exposta na igreja do extinto Mosteiro de Santa
Maria da Conceição de Beja, em que se pretende representar a infanta
D. Brites, deparamo-nos com uma figura serene, conforme, é certo, aos cânones
a que deviam obedecer os retratos. E, todavia, a infanta, duquesa de Viseu e
duquesa de Beja, foi uma mulher continuamente inquieta, prosseguindo objectivos
que traçou e que nortearam a sua vida. A gravura inserta no manuscrito de Vasco
Freire, intitulado Livro das antiguidades de Beja,
apresenta uma imagem, em nosso entender, bem mais consentânea com a sua vincada
personalidade. Ambas as imagens são posteriores, mas na gravura do manuscrito o
iluminador, que talvez tenha lido ou ouvido contar o percurso de vida da
infanta, captou um olhar enigmático, sagaz, próprio de alguém que se
resguardava, que media o interlocutor, que calculava e calculava eventuais
confrontos. Mas quem foi, afinal, a
infanta D. Brites?
Qualquer biografia costuma iniciar-se com a referência à data de nascimento
e ao local onde tal ocorreu, mas para os tempos medievais frequentemente não
nos é possível precisar tais dados, face à ausência de registos. É o caso da
infanta D. Brites. A crer na inscrição gravada na sua sepultura, e neste
caso não temos razões para duvidar porquanto a cotejámos com outras fontes,
faleceu em 1506, contando então 77
anos. Sendo assim teria nascido em 1429.
Mas se chegamos a uma data, se bem que estimada, outro tanto não o poderemos fazer
relativamente ao local onde abriu, pela primeira vez os olhos pera a vida. Belas? Azeitão? Alcochete? Estremoz?
Palmela? Alcáçovas? Alcácer do Sal? Setúbal? Qualquer delas poderia ter
sido berço da infanta. Mas se temos suporte para as elencarmos, considerando
que as duas primeiras se inscreviam no senhorio de seu pai e as últimas estavam
na órbita da Ordem de Santiago, de que o progenitor era mestre, desviar-nos-íamos
do rigor científico se ousássemos, sem um fundamento sólido, fixarmo-nos numa
determinada, até porque poderíamos aventar ainda a hipótese de Lisboa.
Desconhecemos também se o local do nascimento constituiu referência para a
infanta, mas referência sem dúvida foi a família de que nasceu.
D. Brites foi o terceiro rebento originado do matrimónio do infante
João com sua sobrinha D. Isabel, celebrado em 1424. O infante João, mestre da Ordem de Santiago e condestável do
reino, era o penúltimo filho do rei de Boa
Memória e da rainha D. Filipa de Lencastre. Os pais de D. Isabel eram Afonso,
então conde de Barcelos e futuro l.º duque de Bragança, bastardo de João I, e
D. Brites Pereira de Alvim, única filha de Nuno Álvares Pereira e de D. Leonor
de Alvim. Donde, a pequenina infanta era, simultaneamente, próxima familiar das
duas principais figuras donde emergiu a novel dinastia: o rei e o seu condestável
que, com a força do seu braço armado, abriu o caminho que levaria ao trono o Mestre
de Avis. Ambos bastardos, ambos de linhagem, um filho do rei Pedro I, o
outro de Álvaro Gonçalves Pereira, mestre da Ordem de S. João de Jerusalém. Não
seriam os pergaminhos que iriam
faltar à infanta, cujas raízes se imbricavam duplamente na Casa de Avis e na
poderosa Casa de Bragança. Mas as suas redes familiares não se quedavam na
Casa Real portuguesa. Em Castela, reinaria sua irmã, D. Isabel, por
consórcio com Juan II, então viúvo de D. Maria de Aragão. É certo que não
logrou por muito tempo a afeição da irmã. A rainha, segundo os cronistas, caíra
em depressão profunda logo após o falecimento do marido, depressão que se
tornaria crónica. Correu D. Isabel, a mãe, a Arévalo a fim de acompanhar
a filha na sua doença e prestar os devidos cuidados aos netos. Aí acabaria por
falecer em 1465. Não voltaria, D.
Brites, a abraçar sua mãe e sua irmã. Mas restava-lhe a sobrinha,
também de nome Isabel, a futura rainha Católica,
com quem iria manter laços de grande afectividade e até de cumplicidade». In Maria
Odete Sequeira Martins, D. Brites (Beatriz). 1429-1506, Mulher de Ferro,
Quidnovi, 2011, Via do Conde, ISBN 978-989-554-789-0.
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