Estudos
Camilo Castelo Branco. Vida
e Carácter
«(…) Além das intrigas e aventuras de redacção jornalística, de camarim
de ópera, de sociabilidade literária, continuam os enredos amorosos; os outeiros
poéticos dão-lhe acesso à intimidade de uma freira; vive algum tempo com uma
costureira dos arrabaldes; bate-se em duelo com um dos filhos de Maria
Felicidade Brown, que dele se enamorara; finalmente, apaixona-se por Ana
Augusta Plácido, que vem a casar-se com o brasileiro Pinheiro Alves, desencadeando-se-lhe uma crise
religiosa que o leva a matricular-se no Seminário do Porto (1850-52),
para, como vários dos seus heróis, buscar na ordenação sacerdotal o bálsamo do
inferno na alma. Em 1852-53 colabora
em órgãos da imprensa absolutista e clerical, com os quais logo rompe. Em 1859, finalmente, estando já bem
lançado na carreira de novelista, com bastantes volumes publicados, a sanção dos
críticos literários mais autorizados, e acompanhando a evolução geral no
sentido da actualidade e do realismo, dão-se os acontecimentos que mais o
celebrizam: Ana Plácido abandona o marido, vai viver com Camilo para Lisboa; o
escândalo, as dificuldades monetárias, e, depois, a perseguição judiciária
forçam os dois apaixonados a fugir de terra em terra, a tomar as mais
desencontradas decisões, até que, primeiro ela, e depois ele, dão entrada na
cadeia da Relação do Porto. A prisão e o julgamento, de que resulta uma
memorável absolvição (1861), encerram a fase de
amadurecimento pessoal e literário, e a publicação de O Amor de Perdição em 62,
como fruto principal da sua última aventura, transportada para a biografia de
um seu parente, assinala o apogeu da sua popularidade de novelista.
A partir de 1864, com várias
intermitências, a sua vida decorre na casa de S. Miguel de Ceide, que o filho
de D. Ana Plácido do seu primeiro marido recebeu em herança. Obrigado a viver
do que escreve, Camilo passa a última fase da sua vida num crescendo de tragédias;
afligem-no as dificuldades de dinheiro (em 83
a sua biblioteca é leiloada) e o avanço implacável da cegueira; dos dois filhos
que tem de Ana Plácido, o mais velho, Jorge, é louco, e o segundo um inútil
cuja solução de vida consistiu em casar rico, mediante um namoro epistolar e um
rapto que o próprio Camilo agenciou. Alguns dos seus amigos mais íntimos, como
Vieira Castro, findam tragicamente. O escritor está na acmê, na plenitude dos
seus recursos literários: as suas novelas, embora cheias de improvisos, colhem
com flagrante realismo tipos populares, burgueses, restos da desagregação dos morgadios
de Entre Douro e Minho, num estilo vivo que incorpora a linguagem oral minhota
e processos da nova técnica realista, mas ele sente-se por vezes ultrapassado
como romancista de pleno sentido, quando surgem, primeiro Júlio Dinis, depois
Eça de Queirós. Dependendo quase exclusivamente do seu trabalho literário, não
pôde nunca dar-se ao gosto de construir um romance de fôlego, fervente de
caracteres e ambientes, que eliminasse os atractivos folhetinescos e a retórica
sentimental. Teófilo Braga revela até que ponto chegava a proletarização literária
do génio de Camilo, quando nos indica as exigências de vários editores que
teve: um deles encomendava-lhe livros de moralismo convencionalmente religioso;
outro queria enredos históricos; outro só aceitava obras de escândalo, quer pela
polémica, quer pelo conteúdo apimentado.
É certo que não lhe faltaram homenagens honrosas: o rei Pedro visitara-o na
prisão; Castilho e outros ergueram-no às nuvens; foi feito visconde, como
Garrett e Castilho. Em 88
legitima-se a sua ligação com Ana Plácido. Mas os sofrimentos
físicos, morais, pecuniários, o tédio de todas as aventuras, sobretudo da última,
prepararam nele mais uma vítima da psicose romântica do suicídio, acabando por se
matar com um tiro de pistola, em 1890, depois de ter perdido a esperança de recuperar
a vista». In Óscar Lopes, Ensaios Camilianos, Fundação António de Almeida, Greca
Artes Gráficas, Porto, 2007, ISBN 978-972-8386-69-6.
Cortesia da F. António de Almeida/JDACT