Educação
«(…) Ou a hipótese que levantámos se concretiza ou outros mestres, que
por qualquer motivo não foram divulgados, participaram na formação intelectual
de João. Tem-se alvitrado que os
próprios mestres do rei tenham sido, posteriormente, os professores do
Príncipe; contudo nada se pode provar documentalmente ou por escritos coevos. Apenas
as recompensas dadas a esses homens poderiam esclarecer, mas a verdade é que
nada lhes foi atribuido por João II. Nem mesmo Afonso V aparece a compensar os
eventuais mestres de seu filho; apenas se verifica a concessão de uma tença de
dois mil reais brancos anuais, feita por este monarca a Estevão Nápoles em 1450, portanto muito antes do príncipe
nascer e, por isso, sem ter a ver com a sua educação. João II, ao contrário do
que fez com Cataldo Sículo a quem, no dizer de Luis Matos, o rei beneficiou
largamente concedendo-lhe em 1488 uma primeira tença de trinta
mil reais, e uma segunda, em 1493, de dez mil reais..., nada atribuiu a
estes mestres, como ficou dito. Se tivessem sido seus professores certamente o
faria, pois recompensou outros como o mestre-escola
Martim Afonso, concedendo-lhe desde Janeiro de 1494 a tença anual de seis mil reais brancos (...) e o gramático
Fernando Afonso, mestre do Príncipe, pois que recebeu até à sua morte, em 1523, a tença de cinco mil e
oitocentos e setenta reais. Do exposto podemos concluir que os mestres
italianos que vieram à corte para educar Afonso V nada tiveram a ver
directamente com a educação do Príncipe.
Aos educadores que parece terem sido escolhidos por seu pai, teria o Príncipe
ficado a dever os ensinamentos que Resende sintetizou em ler, rezar e latim e escrever.
Estaremos assim perante aqueles que teriam sido os iniciadores de João II nas lides
intelectuais, mas nada mais que isso. E a nossa questão mantem-se pertinente:
porque não chamou Afonso V homens de craveira
para formar o Príncipe? Uma outra ideia nos ocorre: não
teria sido com essa intenção que o monarca chamou ao reino Justo Baldino?
Apesar de Carolina Michaelis afirmar que não consta que Justo Baldino tenha endoutrinado a D. João II,
inclinamo-nos a pensar que sim. Afinal este dominicano italiano, doutor
in utroque iure, teria sido chamado a Portugal apenas para que também os feitos de guerra e paz
dos reinantes da primeira dinastia, narrados por Fernão l,opes na Primeira Parte das Crónicas, assim
como a vida de João I, e o seu insigne Condestável, fossem geralmente sabidos?
E possível; mas se acompanharmos a vida deste frade em Portugal, algumas
dúvidas podem surgir. Justo Baldino chegou ao reino, segundo Joaquim
Veríssimo Serrão não antes de 1466.
Ora nesta data tinha o Príncipe 11 anos. Mas mesmo que a sua vinda se desse um
ou dois anos mais tarde, vinha muito a tempo de ser seu mestre. Recordemos que
Mateus Pisano chegou a Portugal cerca de 1446,
data em que Afonso V teria os seus 14 anos, idade ideal para a formação
específica do monarca; ora, Justo Baldino, a ter chegado a Portugal na
data em hipótese, encontraria, pois, João
com 11 ou 12 anos de idade. Por isso, embora não tenhamos disso notícia,
inclinamo-nos muito à hitótese de que este dominicano humanista,
referendário assistente do Papa Sisto IV tenha sido chamado para a formação
específica do Príncipe. A sua recompensa teria sido a nomeação para bispo de Ceuta ao redor de 1480. A sublinhar esta hipótese
registe-se que, apesar do cargo, nunca Justo Baldino se fixou no norte
de Africa, o que parece significar que o Rei preferiu que ele permanecesse na
corte; e em 1488 lá estava ele junto
do monarca, presidindo à cerimónia do baptismo de Bemoim, segundo
informou o cronista; terá morrido de peste, por volta de 1493, sem que tivesse deixado o mínimo sinal da Obra que se afirma
ter sido chamado a executar. No mínimo parece estranho que um homem que foi
chamado para um trabalho específico tenha passado mais de vinte e cinco anos em
Portugal sem, ao menos parcialmente, o haver realizado. Isso só pode significar
que teve outros afazeres e um deles, o principal, foi, do nosso ponto de
vista, a formação do Príncipe. De resto não se explica que Afonso V tivesse
descurado essa faceta. Assim retomamos a hipotese por nós avançada, com a
convicção de que a mesma corresponde à realidade, embora seja impossível
demonstrá-la. Pensamos, pois, que o rei não quis ir contra a facção da nobreza
que o rodeava e que temia que as ideias políticas do infante Pedro
fossem reintroduzidas em Portugal; como as mesmas teriam a ver com a presença dos
mestres italianos, Afonso V aceitou, inicialmente, não os chamar; contudo,
culto como era, não se podia impedir de querer proporcionar a seu filho os
ensinamentos dos grandes mestres. Nesta indecisão optou por uma via discreta;
não chamou oficialmente um mestre estrangeiro para João; conseguiu-o, no entanto, ao mandar vir de Itália frei Justo
Baldino, um sabio dominicano e
doutor em ambos os Direitos, para trasladar a latim as chronicas dos reis de
Portugal; mas esta foi, evidentemente, a razão oficial, porque
camuflado estava o objectivo visado: que o dominicano viesse a ser o Mestre
que ainda não tinha sido dado a João;
no fundo tudo aconteceu um pouco à semelhança do que, anos mais tarde, João II
também viria a fazer, mas por motivos diferentes, quando chamou Cataldo
Sículo que, vindo oficialmente para serviço do monarca, acabou por ser
escolhido para mestre de Jorge. Retomando o procedimento de
Afonso V, constatamos que a sua atitude não levantava suspeitas, já porque o
fim a que vinha o Mestre estava bem definido, já porque os Dominicanos eram
objecto da protecção de Afonso V e durante
o seu reinado ensinavam Teologia na Universidade de Lisboa». In
Manuela Mendonça, D. João II, Um Percurso Humano e Político nas Origens da
Modernidade em Portugal, Imprensa Universitária 87, Editorial Estampa, Lisboa,
1991, ISBN 972-33-0789-8.
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