Bolhas
de Amor
«(…)
Sobretudo naquele dia em que lhe descobri uma marca no peito, muito próxima da
axila. Era o vestígio clássico de um chupão, algo desvanecido porque já tinha
evidentemente muitos dias. Ela olhou-me sem preocupação, disse que se tratava
seguramente do sutiã, que lhe estava cada vez mais apertado. Evitei pensar
novamente no assunto, mas soube que um primo do seu pai ficara também algumas
noites pelo hospital, revezando-se com Celia. Assim, quando davam alta ao
velho, o primo voltava com os dois a casa e continuavam a revezar-se durante a
noite, sempre naquele quarto marcado pela morte, asfixiando-se juntos,
ignorando os odores. Há odores que unem mais as pessoas do que as desgraças. Imaginei
os dois, velando aos pés da cama, tropeçando deliberadamente nos corredores.
Surgiu-se-me nítida a imagem de Celia oferecendo um comprimido ao moribundo,
enquanto aquele homem se aproximava, por trás, Marianito, o primo do papá, detinha-se calmamente nas suas costas e
dava-lhe um pequeno beliscão, um toque mínimo, um mero acidente do destino,
agachando-se para apanhar uma revista que o pobre velho tinha deixado cair. Celia
punha-se em sentido, rejeitando a ideia de imediato. O primo aproveitava-se da
sua preocupação, e até certo ponto da sua inocência, e voltava, pouco a pouco,
a pecar, roçando a barriga contra as nádegas maciças da minha mulher. Celia
sentia-o e envergonhava-se. Afinal era o primo do seu pai, um primo cada vez
mais solícito que só esperava que ela se curvasse (costumava curvar-se para limpar
os lábios do velho), para se encostar sem compaixão nem disfarce, impondo as
suas armas ainda por debaixo da tela, arfando levemente enquanto desejava a
ambos, ao pai e à filha, muito boas-noites, pois quanto a ele, ia-se deitar. A
história, evidentemente, não acabava ali. Na realidade, Marianito ficava à
coca, à espera que também ela desejasse as boas-noites ao pai para se ir
deitar, só que não na cama dela, mas na
minha, Celia, sussurrando-lhe ao ouvido que o tinha posto louco, que você é culpada, rasgando-lhe a blusa
(Celia perdia, em cada uma das suas viagens, um par de blusas boas), mordendo-a
e empurrando-a contra o vão da porta, onde ela ainda resistia, debatendo-se
entre a decência e o furor, declarando claramente que não e não, até que Marianito,
cansado de tanto alarde, lhe agarrava na mão, levava-a à púbis e sussurrava-lhe
ao ouvido: Olha como me pões. A nossa pequena Elena, que sempre viajava com a
sua mãe, andaria por esta altura no quinto sono, mas Celia não podia permitir
que a menina acordasse e não a visse ao seu lado. De maneira que de madrugada saía
do quarto de Marianito em direcção ao seu, tremendo dos pés à cabeça, não tanto
pela frescura da manhã, mas porque a sensação de gozo clandestino sempre a
excitava. Ele perguntava-lhe se iriam ver-se na noite seguinte, ela respondia
com um silêncio, e claro, não regressava. Mas passados dois ou três dias, ele
encontrava-a em território neutro, por exemplo, na cozinha, e a minha mulher,
fazendo-se de vítima, deixava-se conquistar, deixava-se ir completamente, toda
derretida. O homem arrastava-a finalmente em direcção ao celeiro, levantava-lhe
a bata, puxava-lhe a roupa interior, sente-se aqui, minha rainha, e ela, por sua
vez, ainda punha uma cara como se enlouquecesse. Uma vez perguntei-lhe a idade
de Marianito, se era muito mais velho,
disse-lhe, e se estaria ainda em
condições de cuidar do pai. Ela fez uma careta e olhou-me de soslaio: Quem é que me tinha dito que o Marianito
era mais velho? Era apenas cinco ou seis anos mais velho do que ela,
não muito mais. Tinha perdido a mulher há bastante tempo e sentia-se muito
útil, ajudando o primo. Está reformado,
concluiu Celia. O primo do papá reformou-se
muito cedo. Pensei que toda a energia, todo o empenho, toda a ânsia desse
maldito viúvo visassem a obtenção de um sórdido troféu: o amor condicional de
Celia, que ao fim e ao cabo se esfumou quando o meu sogro lá morreu. Desde
então tinham passado muitos anos, Celia nunca se ausentava, e portanto
arrebatamentos do reencontro cessaram. Começou a viver um pouco através da
lente da vida da sua filha. Sempre fora uma excelente mãe. Acordámos que quando
Elena se casasse faríamos coincidir a lua-de-mel da menina com a nossa própria
viagem. Assim, as extravagâncias seriam menos e quando regressássemos das ilhas
seria muito mais fácil digerir o trago da ausência». In Mayra Montero, La última noche
que pasé contigo, Barcelona, 1991, A Última Noite que Passei Contigo, colecção
Pena de Galo, Editora Bico de Pena, Lisboa, 2008, ISBN 978-989-621-054-0.
Cortesia
de Bico de Pena/JDACT