quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Isabel de Portugal. Duquesa de Borgonha. Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval. Daniel Lacerda. «… a duquesa viu-se forçada a contrair um empréstimo de de ouro em Genebra para aliviar o cerco de Grancey, garantido pelo valor das suas jóias, baixela de ouro e dinheiro»

jdact

A sublevação dos flamengos
«(…) Para fazer frente aos seus inimigos, o duque comandava um numeroso exército enquadrado pelos seus melhores cavaleiros e apoiado por imponente artilharia. Na viagem, a duquesa seguiu-o em liteira até Chãtillon sur Seine, onde o duque entrou em campanha, enquanto Isabel recolhia ao castelo de Dijon. Ela ficara encarregada de convocar os Estados de Borgonha, chamados a votar o financiamento das despesas com as operações militares. Os usos constitucionais do ducado levavam Filipe a reunir frequentemente os deputados dos seus Estados, segundo as necessidades de repartição dos encargos. Na rectaguarda, a duquesa tomava à sua conta a organização material e financeira da defesa da região. O duque visitava-a de tempos a tempos. Os vassalos do rei de França, sobretudo o conde de Clermont, Charles, um Bourbon, atacavam as praças-fortes borgonhesas, pelo que muitas delas caíram sob o controlo dos Armagnacs. De boas relações com o rei de Inglaterra e respeitando a aliança estabelecida pelo Tratado de Troyes de Maio de 1420, o duque pô-lo ao corrente das operações, preparando futuras negociações sobre a presença dos ingleses em Calais. Instalou-se em seguida diante de Avalon, que retomou às tropas reais a21 de Outubro. E enquanto os oficiais prosseguiam as operações no terreno, Filipe, o Bom, regressava a Dijon para reconfortar a duquesa que trazia no ventre a sua maior esperança.

O nascimento do herdeiro Carlos
Uma das expectativas do casamento com a infanta portuguesa era para Filipe o nascimento de um herdeiro legal que assegurasse a continuidade do ducado. O duque estava avançado em idade e não tivera herdeiros dos casamentos precedentes. Ele tinha toda uma descendência do seu sangue, que se empenhava ao serviço da sua causa, mas fora do casamento. Isabel cumprirá prontamente esta função maior dando à luz António, em 30 de Dezembro de 1430, em Bruxelas. Mas a criança morrerá 13 meses mais tarde, estando Isabel já, grávida de Josse, que nascerá em Gand a 24 de Abril mas que não resistirá à doença melhor do que o irmão; virá a falecer com a idade de quatro meses. Imagine-se o desgosto sentido pelos duques, impotentes face ao destino que lhes recusa uma progenitura indispensável à perenidade do ducado.
Devido a essa função de representação, compreende-se que os cronistas descrevam acima de tudo o sofrimento do duque, que caiu em estado depressivo e cujo desespero, devido à perda dos seus filhos e herdeiros potenciais, o levam a insurgir-se contra Deus e a desejar a morte. Para grande satisfação de todos, a 11 de Novembro de 1433,no castelo da dinastia, nasce um robusto rapaz, imediatamente baptizado na capela. Houve um debate sobre a hora do nascimento durante a noite de 10 para 11. Os historiadores parecem estar hoje de acordo de que terá sido a primeira ou a segunda hora depois da meia-noite de 11. Chamar-se-á Carlos, em homenagem ao padrinho Charles de Nevers, e Martin, como a festa correspondente. Recebeu o título de conde de Charolais, como seu pai.
Ainda que Dijon não fosse o lugar da residência oficial dos duques, ficaria para sempre no coração do ducado tanto mais que no século XV não era senão uma pequena cidade de uma dezena de milhar de habitantes, de aspecto rural, cercada por vinhas, pomares e terrenos baldios. A residência dos duques, hoje desaparecida, estava situada no mesmo local onde se erguem os actuais castelo e Câmara Municipal. A sede da ordem do Tosão de Ouro, criada quando do casamento, fora instalada na Sainte Chapelle. Em Novembro de 1433 realizou-se um outro capítulo da ordem, durante o qual foram promovidos oito cavaleiros, entre os quais o pequeno Carlos que, nos braços da mãe, recebeu o colar de ouro. O duque visava estabelecer-se em Dijon e tinha iniciado a construção de um novo castelo a partir de 1440.
A duquesa parecia não recear quer o ambiente militar, quer os combates. Ela encarregava-se de comandar a artilharia e de a fazer deslocar para a frente de combate. Apoiada pelo chanceler Rolin, reuniu os estados em Dijon e depois em Dole, fazendo votar uma ajuda de várias dezenas de milhar de francos destinada às operações. No início de Abril de 1434, Filipe voltou a partir para os Países Baixos, sem que a paz tivesse sido restabelecida. Assumindo as tarefas da defesa, Isabel deslocou-se a Chalon e a Talant para mobilizar os castelãos do bailiado, os nobres e mesmo os estabelecimentos religiosos, ordenando-lhes que fizessem chegar a Dijon meios de transporte de material militar, carros, charretes, enxergões e cavalos. Depois de esgotadas as ajudas dos estados, a duquesa viu-se forçada a contrair um empréstimo de 59 marcos de ouro em Genebra para aliviar o cerco de Grancey, garantido pelo valor das suas jóias, baixela de ouro e dinheiro». In Daniel Lacerda, Isabelle de Portugal – duchesse de Bourgogne, Éditions Lanore, 2008, Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval, tradução de Júlio Conrado, Editorial Presença, Lisboa, 2010, ISBN 978-972-23-4374-9.

Cortesia de Presença/JDACT