O
Futuro da Língua Portuguesa em Goa
«O
dia 19 de Dezembro de 1961 foi um
dia mais convulsivo na história de Goa.
Política, cultural e linguisticamente marcou ele como a divisória de duas
épocas rigorosamente distintas. Se dum lado uns goeses foram surpreendidos de cócoras
perante um acontecimento para eles cataclísmico, doutro lado a mór parte viu a
matriz da nossa civilização, cultura e língua de antanho, a surgir
prometedoramente das ruínas acumuladas por mais de 450 anos de hegemonia e
presença portuguesas. Com a libertação houve uma debandada para a metrópole de então,
qual povo messiânico a voltar a Terra Prometida; uns julgando que o futuro
deles e da sua progénie corria grande risco; outros aterrados perante a
incapacidade de aguentar a mudança do modo de vida e língua de que eles pouco
ou nada compreendiam; outros ainda pela ignorância de que a mudança política
nem sempre pressupõe uma convulsão social e económica. Ilusões de uma parcela
do povo que nunca soube pensar e agir independentemente graças à subjugação
politica e económica dos colonizadores. Tivemos prosadores de envergadura dum
Francisco Luís Gomes, dum José Inácio Loyola, dum Menezes Bragança; poetas
consagrados do vulto de Nascimento Mendonça, Paulino Dias, Adeodato Barreto,
para mencionar apenas uns poucos, que manejaram o Português com grande perícia
e saber.
Verdadeiros
mestres. Quase todo o goês ilustrado
era conhecedor da língua, pois os serviços administrativos e outros, a política
e a instrução eram só em Português, à excepção de umas poucas escolas de ensino
inglês e marata. Até nas aldeias falava-se
o português, embora fosse ele em mór parte do calibre dos personagens de Jacob
e Dulce, (este é um livro pelo satirista Francisco João Costa e que retrata
cenas de vida goesa nas províncias em meios onde o português era deturpado em
um peculiar calão. O autor tinha o pseudónimo de GYP). O que nos resta hoje
são umas pouquíssimas pessoas que eram e continuam a ser verdadeiros
conhecedores e cultores do Português; e uma boa parte da classe que o GYP
retrata no seu célebre romance. A geração nova, na maioria, balbucia um português
macarrónico colhido mormente dos pais que ainda continuam a falar a língua na
família e convívio social. Enfim, a situação é ridícula. A língua portuguesa em
Goa não só está em franco declínio
mas tem chegado a um estado dum despejo arqueológico. O futuro é brumoso. Os bons jornais e revistas de outrora
quase que pereceram com os seus fundadores. Nos últimos tempos restava apenas O Heraldo, que foi aos poucos
esmaecendo e transformou-se, mau grado seu, em um quotidiano inglês. Houve tentativas
dos particulares com o fim de reter a língua e alimentar o seu cultivo. Mas
tudo descaiu por falta de apoio adequado para a sua manutenção material. Mas,
dirão os indignados e curiosos: por
que avivar esta língua dos colonizadores? Há razões de vária ordem. Se
em Goa é ela de pouco utilidade na
vida política e administrativa, estão os arquivos históricos abarrotados de material
em que os estudiosos de história, sociologia e arqueologia podem haurir
conhecimentos à farta. Estão o Brasil, Angola, Moçambique e mais sítios onde os
portugueses deixaram as suas pegadas e fazem parte integrante da história
universal e onde o português é ainda falado e cultivado. Será ele o vínculo
entre Goa e estas nações. E não de
somenos importância estão as amarras sentimentais de quatro séculos que não
podem ser rompidas com facilidade; nem tanto envolvimento bom ou mau, se sacode
sem cerimónia e de chofre». In Bailon de Sá, Pontos de Vista, New Age
Printers, Goa, Índia, 1998.
Para
Álvaro José. Descansa em paz
Cortesia
NAPrinters/JDACT