Alexandre III
«(…) Mas o arcebispo João Peculiar sabia muito bem que não
possuía direitos de metropolita sobre Évora; o lugar pertencia à Lusitânia, portanto
à província eclesiástica de Mérida-Compostela. O exemplo de Lisboa, que com
igual certeza era lusitana e por isso não havia podido ser mantida por João Peculiar,
reteve-o de usurpar inutilmente os direitos compostelanos. Fez por isso apenas
aquilo que a situação da guerra e a necessidade de imediato provimento da Sé
episcopal podiam justificar: fez a sagração mas não exigiu obediência ao novo
bispo, que devia ficar sujeito ao arcebispo de Compostela. Não urgia, porém,
prestar obediência a Santiago. O rei Afonso Henriques, por um lado, não queria
saber de tal, e por outro a pobreza da igreja de Évora dava ao bispo suficiente
pretexto para não fazer a longa viagem a Santiago. Assim ficou sem resolver a
questão do bispado. Dava-se quase a mesma coisa com a maioria dos bispados
portugueses. Quanto ao de Lisboa, tinha-se Afonso Henriques visto obrigado a consentir
(1158)
que o bispo Gilberto reconhecesse Compostela como sua metrópole. Mas, quando o
bispo Gilberto morreu em 1166, bem
soube o rei mais uma vez conseguir a sagração do sucessor pelo arcebispo João
Peculiar. Por outro lado, Compostela nunca abandonara as suas pretensões aos
bispados de Coimbra, Viseu e Lamego, e por isso o arcebispo de Braga podia considerar
como pertencendo incontestavelmente à sua província, de entre todos os bispados
portugueses, só o bispado do Porto.
Isto constituía uma contínua fonte de incertezas e tinha de
levar infalivelmente a um conflito, logo que em Santiago acabassem as confusas
questões internas de que sofria o arcebispado no tempo de Fernando II e
governasse um arcebispo enérgico; o rei de Portugal porém, que era quem mais
estava interessado na regularização destas questões, tinha todos os motivos
para proceder sempre com extrema cautela. A isto acrescia a questão do primado
de Toledo, ainda não resolvido definitivamente. Os direitos toletanos
continuavam imutáveis, e também aqui se esperava na primeira oportunidade nova
perturbação. Tal oportunidade surgiu em breve. Após a morte de Sancho de
Castela (1159), tornou-se o seu território campo de inúmeras lutas, em
que também interveio Fernando de Leão. Este conseguiu em 1160 apossar-se de grande número de lugares fortificados
castelhanos, e sobretudo ficou Toledo nas mãos dos seus sequazes durante anos
seguidos. Desta forma, os direitos de primazia sobre Braga, que a separação de
Castela e Leão havia tornado politicamente absurdos, ganharam de novo certa
importância, e não levou por isso muito tempo sem que o arcebispo João de
Toledo fizesse mais uma vez surgir a velha questão.
Encontrou-se em Anagni com Alexandre III nos princípios de 1161 e conseguiu aí que o papa mandasse
em 26 de Fevereiro nova bula ao arcebispo de Braga e seus sufragâneos,
ordenando-lhes que obedecessem ao primaz de Toledo. Em caso de desobediência, passaria,
como sanção, o bispado de Zamora pare Toledo. Dois anos mais tarde, em 11 de
Julho de 1163, Alexandre III foi
ainda mais longe e desligou de obediência os sufragâneos, se o arcebispo João
Peculiar se não submetesse». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no
primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto
Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.
Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT