A Longa Espera pelo Trono. O mundo que viu Sancho nascer e crescer
«(…) Mesmo dando alguma margem para as prováveis ausências da cúria
régia e da esfera de influência de seu pai, durante o período da sua criação,
que passara decerto em ambiente rural, não é possível conceber que o jovem
futuro rei não tivesse comparticipado da fervilhante vida de corte em Coimbra
ou que fosse mantido afastado dos meandros da política que seu pai e seus
conselheiros traçavam e tentavam executar, não sem poucos revezes, pelo menos
desde meados do século XII. E esses conselheiros estavam, podemos sabê-lo,
muito entrosados no que se passava por toda a Europa cristã e tudo indica que
não agiam levianamente; pelo contrário, os seus passos no apoio que davam à
nascente monarquia portuguesa parece terem sido bem calculados e medidos,
baseados em sólidos conhecimentos dos meandros e das circunstâncias políticas,
na Península Ibérica e fora dela, nos meios leigos e nos eclesiásticos. Quando Sancho nasceu, o Papado acabava de ser
entregue nas mãos de um cónego regrante, oriundo de São Rufo de Avinhão, o
inglês que viria a ser conhecido como Adriano IV. As ligações deste papa aos
regrantes e sobretudo aos de São Rufo de Avinhão deviam agradar muito aos portugueses.
Com efeito, São Rufo de Avinhão tinha nessa altura uma posição já muito bem estabelecida
como casa mentora de apoio e suporte às ambições dos condes de Barcelona, papel
que tinham iniciado logo em finais do século XI, ao ajudar os condes a utilizar
o seu enfeudamento directo a Roma como forma de legitimar a ambição de se
afirmarem como reis independentes de Aragão.
A canónica de Santa Cruz de Coimbra, fundada nos anos 30 do século XII
com a estreita colaboração e empenho do futuro arcebispo de Braga, João
Peculiar, também ele um cónego regrante e mentor dos interesses de Afonso
Henriques na cúria pontifícia, mantinha com São Rufo de Avinhão, desde a sua
fundação, uma relação de estreita filiação e dependência. Desse modo, as influências
recebidas por essa via e o facto de o novo papa ser alguém oriundo de meios
religiosos e intelectuais tão ligados aos conimbricenses deve ter parecido um
auspicioso factor para quem representava os interesses portugueses na cúria.
Nesse mesmo ano de 1154 em
que Sancho havia de nascer,
Frederico I, o famoso imperador Barba Roxa, embarcava na primeira campanha
italiana, que haveria de terminar com a sua coroação imperial em Roma, em 1155. Claro que essa coroação não iria
garantir uma paz que teoricamente se queria duradoura entre os poderes, mas que
a realidade da natureza desses mesmos poderes nunca poderia consentir. Apenas
saídos de uma difícil situação na sequência dos sucessivos cismas e
desentendimentos que tinham abalado as relações entre Papado e Império nas
décadas anteriores, pouco mais os aguardava, ao papa e ao imperador,
intermináveis querelas e guerras. Logo em 1158
e 1159, com os sucessivos recontros
conflituosos entre os legados pontifícios e o chanceler de Frederico I, com as pretensões
do Império ao poder universal e com as inusitadas exigências do Barba Roxa às
cidades italianas que acabava de dominar militarmente, o ambiente estava receptivo
ao que se preparava. Quando, em Setembro de 1159, Alexandre III foi eleito papa,
e facção imperial reagiu de imediato e fez eleger, nesse mesmo dia, o seu
próprio candidato, o antipapa Vítor. Durante os cerca de vinte anos
seguintes, até 1177-1178, quando o cisma terminou, o Império iria continuar a
investir na estratégia de fazer os seus próprios papas, continuando, ao criar
mais três antipapas depois deste, a alimentar quase duas décadas de guerras e disputas
pela supremacia no poder. As excomunhões de Frederico I pelo papa foram, como
de costume nestes casos, ineficientes, não conseguindo aplacar um conflito que
só depois das difíceis pazes de Agnani e Veneza, em 1177 e 1178, conseguiria
ver regressar uma precária paz institucional. Apesar das tentativas esboçadas,
seria preciso esperar-se por 1198 e pelo pontificado de Inocêncio III (1198-1216)
para se assistir a uma recuperação do predomínio do poder espiritual sobre o
temporal com hipóteses de verdadeiro sucesso. Mas o apogeu da chamada Época dos Papas canonistas não era para
já, e o papa Alexandre III teria ainda de suportar muitas provações antes de
pacificar a situação». In Maria João Violante Branco, Sancho I, O
Filho do Fundador, Temas e Debates, Livraria Bertrand, 2009, ISBN
978-972-759-978-3.
Cortesia de Bertrand/JDACT